Pular para o conteúdo principal

De volta à “Quinta do Sol”


Foi numa estrada entre Gralheira e Soutelo que conheci Adília, ela acabara de colher cogumelos, ofereceu-me, aceitei, seguindo-se à tarde, ensolarada, com uma caminhada dialógica até a sua casa, onde nasceram seus doze irmãos, que já lá não mais estão, então, ela vai adotar um pequeno cão, para lhe fazer companhia.
Oxalá, o animal lhe dê Amor, o amor que Adília exala de seus olhos, cujo brilho nos atravessa, e desafia a alma, a sentir, afinal de contas, que o Tempo sabe à cogumelos que se colhem nos campos, por onde lançamos nossos olhos, enquanto nossa mente, evapora, num sonho que contorna o Marão, e margeia ao Tâmega.
Em tempos de cabras a saltar sobre telhados, este outonal cheiro de cães, as paisagens de carvalhos e rios, vilarejos que serpenteiam esperanças, e guardam segredos, num profundo silêncio, a gritar  sentimentos nesta quase-crônica sobre o Tempo que ainda é.
Tempo de poesia, e de amizade, e de paixões, pela vida que se escapa às queimadas, e renasce das cinzas, como uma ave mítica que só existe nas imaginações dessas mulheres que desconhecemos, mas, que nelas nos reconhecemos, em suas jornadas solitárias, nas quais, finalmente, elas ouvem as vozes que lhes falam de dentro do peito, em sussurros e cantos.
Sou filho do Tempo, e nele creio como um Deus que se move por estas montanhas, de cujas pedras desprendem-se gentes que escutam as vozes de seus próprios corações.
O Tempo é o repouso sagrado da memória e de tudo que existe dentro e fora da dimensão de nossos pensamentos e da própria consciência que temos das coisas e das experiências que passamos.
Mas o Tempo é também o esquecimento, a libertação de respostas que surgem naturalmente sem a necessidade de perguntas, como estas viagens nestes sábados lusitanos, em que vamos e voltamos, mas também ficamos presos, ao momento presente, a criar raízes no chão de Chã, onde está a “Quinta do Sol”, este lugar da Alice, com quem passei o dia, porque, há tempo, não falávamos, de um tempo que tem de ser.

© Carpinteiro
5 de Outubro de 2019




Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Cinema de Guerrilhas volta a Braga para segunda Edição

 Será no dia 26 de março de 2025, na sede da Associação Observalicia, em Braga, a segunda sessão das “Vivências do Cinema de Guerrilha – Resistência Climática”. Organizada por essa associação sem fins lucrativos, dedicada à pesquisa e atuação em alimentação, tecnologia e ecologia social, a ação propõe uma imersão no audiovisual como ferramenta de resistência e transformação social. Vamos continuar a trabalhar juntos na construção coletiva de filmes que denunciem as urgências climáticas e ecológicas atuais. A oficina busca democratizar o acesso ao cinema, utilizando tecnologias acessíveis, como celulares, para que comunidades e indivíduos possam contar suas próprias histórias e fortalecer sua luta ambiental. Como facilitador, trago minha experiência no cinema amazônico, onde venho desenvolvendo pesquisas e produções voltadas para a resistência cultural e ecológica. Como criador e curador do Festival Internacional de Cinema do Caeté (FICCA), sigo explorando as estéticas de guerrilha,...

Entre aforismos e reflexões sobre a existência - análise crítica da obra de Jaime Pretório

A obra, mesmo não sendo uma extensão do artista ou propriedade do público que a ressignifica, é uma potência inerente e transcendente ao próprio artista, entretanto, um escritor, como, em geral, um artista, não se resume ao que ele escreve, ao que ele concebe. A obra de Jaime Pretório, em especial sua coletânea “1000 Aforismos recortes de uma vida” vai além das palavras e das ideias que ele usa para expressar sua ampla reflexão sobre a condição humana, nestes tempos em que já nem sabemos ao certo se sobre ou sub vivemos. Nesta obra, o autor discorre sobre questões cotidianas, convocando-nos a uma jornada de introspecção, a partir de aforismos sobre normas sociais, dogmas religiosos, convenções filosóficas, mensagens poéticas. L er o autor impõem-nos desafios, ainda que na sua estilística aforística ,  o sinta gma  frasal se encerre em si próprio ,   através de  uma mensagem fragmentária, no caso d e  Pretório, uma mensagem fragmentária sobre os diversos temas qu...

Um Encontro de Arte e Reflexão: X FICCA na Livraria Gato Vadio

A Livraria Gato Vadio será palco de um dos momentos mais inspiradores do X FICCA – Festival Internacional de Cinema do Caeté, que celebra a arte de resistência da Amazônia. Entre histórias contadas pelas telas e diálogos que se desdobram em ideias e ações, o espaço se tornará uma confluência de arte, literatura e cinema. Uma das joias da programação do X FICCA será a Oficina de Cinema CADA REALIZADOR UM TERRORISTA E CADA FILME UM ATENTADO, que convida amantes da sétima arte, estudantes e curiosos a mergulharem no universo da criação cinematográfica, sob a perspectiva da arte de resistência social. O festival tem como referencial teórico as estéticas de guerrilhas, as poéticas da gambiarra e as tecnologias do possível, que são conceitos resultantes das práxis pesquisadas e aplicadas pelo criador, diretor e curador do FICCA, Francisco Weyl. Estes elementos para a construção de uma tríade conceitual do cinema de resistência social serão apresentados e dialogados com os participantes, send...