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Senhoras e Senhores, o Pai do "Capitão Açaí"


 
Você desenha ou tira sarro da cara dos outros?

O desenho é a forma mais eficaz que arranjei para tirar sarro. Não só da cara dos outros, mas da minha cara também. O humorista deve-se colocar como alvo para poder ser baladeira. Aí ele pode sacanear à vontade as pessoas, as situações e as instituições com que tem contato. Digo sacanear, mas a palavra pode ser analisar ou comentar, só que através do humor. O humor iguala as pessoas, por isso a crueldade que muitos veem numa piada. Acham que fazer piada de cego, por exemplo, é crueldade. Não é verdade. Os próprios cegos fazem piada de sua condição, os aleijados, e por aí vai. Quando absorvemos essa condição de rirmos de nós mesmos, aí o humor é pleno e podemos rir do mundo. Quem determina esse tipo de censura é o artista. Se ele acha que alguma piada fere a sua compreensão sobre determinada coisa, ele deve desistir daquela piada. Mas nunca por pressão exterior. Tem que vir dele.

Seus personagens se aborrecem ou são sempre bem-humorados?

Se aborrecem, mas a irritação tem que servir como ponto de partida para novas piadas. O humor é o que desconcerta. O mau-humor pode desencadear uma situação de bom humor.

Que tipo de personagem é um cartunista?

Eu sempre digo que o cartunista é o cara que não aprendeu a desenhar direito. Aí ele faz de suas limitações no desenho o seu estilo. Claro que há cartunistas que desenham muito bem e ainda há que se considerar o texto, a ideia que dá suporte ao desenho. Não adianta ter um desenho muito bom se a ideia for fraca. Cartunista é o artista que fala sério brincando, enquanto a maioria das pessoas brinca de falar sério.

Que tipo de cartunista você é?

Todas as respostas anteriores (risos). Tento fazer um humor que seja um comentário mais abrangente possível sobre tal assunto. Por isso prefiro o cartum à charge e vou tomar a liberdade de criar um novo tópico para fazer essa distinção.

 
Qual a diferença entre charge e cartum?

A charge tem a ver com a atualidade, por isso sua ligação com o jornalismo. Ela tem data de validade e perde o impacto depois que o fato ou a pessoa a que ela se refere deixa de ser a notícia do dia. Para que uma charge sobre a presidente Dilma faça sentido daqui a dez anos, você precisa se reportar ao momento de hoje para entender a coisa. Já o cartum é atemporal. Ele trabalha com conceitos de maior duração e não perderá seu impacto passe o tempo que passar. O cartum não é só o que provoca riso imediato, mas pode provocar reflexão, estranheza, dúvida... Cartum pode ser poético e/ou filosófico.

Para além de ganhar o pão nosso de cada dia que o diabo amassou, por que, para que e para quem você desenha?

Desenho pra mim mesmo. Explico: o desenho de humor não é o meu ganha-pão. O que paga minhas contas é o meu trabalho de redator publicitário. Por isso tenho liberdade de fazer o que quero. Claro que, por vezes, surge a oportunidade de usar desenho em algum material e aí eu faço. Mas é esporádico. Produzo mesmo para os meus próprios projetos, tipo um fanzine autoral aqui, a participação em uma revista ali. Finalizando, digo que sou redator publicitário para sobreviver e cartunista para viver.

Prêmios, salões, mostras, exposições, livros, publicações, páginas em jornal – no meio disso tudo, como, quando, onde, como e por que você já passou?

Fui premiado no Salão Ri... Guamá, promovido pela UFPa. em 1992 (1º lugar em charge) e também no I Salão de Humor de Bragança/PA, 2005, (1º lugar em charge). Participações nos salões de Piracicaba, Campina Grande, Ceará, Pernambuco, Bahia, Volta Redonda. O mais longe que cheguei foi no Salão do Uruguai e da ex-Iugoslávia.
Fanzines lançados: Pai d’Égua!, Humor Sapiens, Gilete no Pulso! 1 e 2, Identidade Marginal, Vertigem (jornal de humor de periodicidade esporádica), Vertigem Especial de Copa e Cozinha do Mundo (edição temática sobre Copa do Mundo 2010), Feliz Natal é o Caralho! e Rob Humilde.
Participo de publicações como a Vanguarda Cultural, revista aqui de Macapá. Mantenho a página Faleidoscópio, onde mostro minha produção de desenhos e textos. No extinto jornal Folha do Amapá mantive uma página chamada Vertigem, também de variedades

Livros lançados: Ícaro, Liberdade Ainda que Nunca! (quadrinhos). A Chave da Porta da Poesia (literatura infantil para todas as idades), em parceria com a poeta paraense Roseli Sousa. E Papo Casal (cartuns sobre relações amorosas e desastrosas que chamo de fugas emocionais).
 
 
Além do Capitão Açaí, quais são os seus outros heróis?

São muitos, na maioria anti-heróis, como o Capitão Açaí. Tem o Anjo 45, um anjo da guarda doidão que resolve tudo com sua pistola calibre 45. O Poeta em Pessoa, que surgiu de um desenho que eu sempre fazia. Percebi que se parecia com o Fernando Pessoa e aí criei o personagem. O Pimpolho, um bebê sacaninha. O Ocrides, inspirado num pirado amigo meu aqui de Macapá. O Conde Crápula, um de meus primeiros personagens, que sempre dá o ar de sua (des)graça. E muitos outros que nem chegaram a sair da gaveta.

Qual seu nome de guerra, quero dizer, de cartunista?

Quando escrevo sou Ronaldo Rodrigues. Quando desenho sou Ronaldo Rony. Alguns dizem que é frescura. Pra eles eu digo: é frescura mesmo! Um pequeno folclore criado por mim pra complicar um pouco. Afinal, eu vim para semear a dúvida!

Sua idade, signo, sexo, time de futebol, comida preferida, coisa que não suporta, mas não necessariamente nesta mesma ordem.

Tenho 50 anos e nenhum problema resolvido, sequer colocado. Meu signo é o dos feiticeiros: Capricórnio. Quanto a time de futebol, já fui Flamengo no tempo do Zico, quando futebol tinha mais encanto. Já torci pelo Clube do Remo e pelo Corinthians. Atualmente torço pelo Grêmio, só pra tirar chinfra, porque irrita algumas pessoas. Gosto de uma partida de futebol bem disputada, torço pelo espetáculo, torço pelo gol. Comida preferida é aquela que está à minha frente quando estou brocado. Não suporto a dependência que computadores, celulares e redes sociais impõem a algumas pessoas. Quer dizer, suporto sim. O problema é delas. Finalizando: nasci em Curuçá/PA, vivi por muitos anos em Belém e hoje moro em Macapá, capital do Amapá, a única cortada pela linha do Equador. Por causa dessas três cidades me tornei amaparaense. Sou índio, ribeirinho e suburbano. Marambaia sempre!
 

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Duas notas do editor FW
1) Entrevista originalmente concedida a Francisco Weyl, á altura edito do extinto jornal EXPRESSO47, em 15/09/2011, posteriormente, 2015, publicado na revista VANGUARDA do Amapá, e agora aqui replicada;
2) Fotos capturadas por DRI TRINDADE em 2014 (Outubro), quando do lançamento do fã-zine CAPITÃO AÇAÍ, com a presença do seu criador 

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