A África é um Continente, apesar de quem o pense como um país.
E mesmo ao pensar em qualquer país africano, há que pensar os seus diversos territórios, culturas, em pulsão, diferentes entre si.
Se pensarmos o continente africano numa dimensão religiosa, atravessaremos universos míticos desde o Budismo ao Islamismo, do Hinduísmo ao Cristianismo, do Judaísmo ao Fé Bahá’í.
Todas estas culturas religiosas foram predominantes em locais específicos do continente africano, com as suas diversas formas de manifestação.
E há muitos dialetos e línguas em África e suas expressões têm relação simbólica com as culturais onde eles predominam.
Assim sendo, o termo candomblé (assim como umbanda) têm origem no banto.
Candomblé, umbanda e macumba são as palavras que os brasileiros conhecem os cultos de matrizes africanas.
Macumba
Mas, apesar de ser de origem africano, o termo "macumbeiro" é demasiado pejorativo quando quer se referir a adeptos das religiões de matrizes africanas.
O uso da expressão não contribui com o esclarecimento cultural, até porque a palavra "macumba" está relacionada a uma árvore sagrada, sob a copa da qual, muitos povos praticaram rituais de saudação a seus antepassados.
E esta prática revela a forte relação desta cultura com a natureza, tendo estes ensinamentos sido transportados pelos africanos ao Brasil, e assim, desenvolvido as suas devoções religiosas.
Mas, os negros foram perseguidos, e estigmatizados como profanos, e, "macumbeiros".
Macumba (etimologia: quimb. - macumba, de acordo com o dicionário Michaelis) refere o antigo instrumento de percussão de origem africana, semelhante ao ganzá.
Produz um som rascante, utilizado em terreiros de cultos afro-brasileiros, sendo “macumbeiro”, neste sentido, aquele que toca instrumentos de percussão construídos a partir da madeira da árvore de "macumbe".
Mas, o preconceito e a ignorância tentam simplificar, generalizar, e menosprezar com estes termos, rituais e práticas dos cultos afroreligiosos que receberam influências de outras religiões africanas, do ocultismo e de diversas crenças ameríndias.
Umbanda
Ao contrário do Candomblé, que surgiu na cidade de Ifê, Nigéria, 500 anos antes de Cristo, a Umbanda nasce no Brasil, com Zélio Ferdinando de Moraes, o Caboclo das 7 Encruzilhdas, sob influência do Espiritismo, no começo do século XX.
Estas religiões têm fundamentos, por exemplo, os da Umbanda podem ser datados pela década de 1950, com o Mestre Yapacany - W.W. Da Matta e Silva.
Os processos de transmissão dos ensinamentos, e as tradições destas religiões, entretanto, são orais, razão pela qual, cada uma delas têm particularidades próprias, que se manifestam nas diversas formas que seus adeptos as praticam, e cultuam as suas divindades.
Apesar desta diversidade, das particularidades, e diferenças que as caracterizam, e da miscelânea ritualística que envolvem, desde Orixás à caboclos, ciganos, índios, boiadeiros, entre outros povos e linhas de terreiro, ambas as religiões têm matrizes africanas.
E se inspiram nos ancestrais trazidos à força desde África para o Brasil, e que neste país desenvolveram modos próprios de difundirem suas crenças, à despeito da dominação branca.
E do próprio apagamento acadêmico que centraliza como herança cultural um enbranquecido Ocidente, e os hibridismos aos quais tiverem de submeter, para que sobrevivessem e tornassem vivas as suas tradições.
Orixás
Nesse sentido, os Orixás são cultuados por crenças milenares ainda mais antigas que as Cristãs, que, aliás, adoptaram diversos rituais de religiões, que lhe são anteriores.
E muitos templos Cristãos foram erguidos em locais onde outrora as religiões ditas pagãs praticavam seus ritos, de forma a inviabilizar aquelas tradições, e as substituir.
O culto aos Orixás foi transportado desde África para o Brasil, e para todos os demais continentes, onde se transformou, de acordo com as religiões, que foram criadas e/ou desenvolvidas nestes países.
Cito, como exemplos, o Candomblé, e a Umbanda, e o Tambor de Mina, que têm troncos comuns em África, por causa dos ensinamentos que (nos) foram (re)passados, de geração em geração.
Desde os navios negreiros, onde os nossos ancestrais eram arrastados à força, e agredidos, mas que, mesmo assim, sublimaram, e nos legaram diversas práticas, apesar das contaminações que as tornaram híbridas, e as fragilizaram.
Com a passagem dos tempos, e em constantes diálogos, e tensões, com as demais práticas religiosas, os cultos afroreligiosos foram sincretizadas aos cultos brancos - dominadores, o que permitiu a sobrevivência de suas originárias tradições.
É por esta razão, por exemplo, que o culto do Orixá Ogum remete ao cavaleiro Jorge, ao glorioso São Jorge, guerreiro.
E Ogum será o Orixá regente de 2019.
Mitos
Há diversos mitos sobre os Orixás.
E os mitos têm estruturas próprias que atravessam a História da humanidade, modificando-se de acordo com as realidades em que são representados e instaurados de forma simbólica no espectro social.
Particularmente, com relação à mitologia afroreligiosa, há que considerar ainda que seus conhecimentos são transmitidos a partir de narrativas orais que ocorrem em sessões nos terreiros, pelos espíritos doutrinadores, dos mestres aos discípulos, dos pais/mães aos filhos/filhas.
Portanto, há muitos mitos sobre Ogum.
O mito migra, muda, revela-se-nos, e se manifesta de formas diferenciadas - com suas nuances temporais e espaciais - em pequenas coisas, muitas das quais não estamos atentos, mas que naturalmente as reproduzimos e repetimos em nosso cotidiano.
E mito atravessa o tempo como se fosse um decalque da Historia, a sua inversão, que se prende, e desprende da transparência das coisas.
O mito tem sentido para o ser humano, que, entretanto, não o pode interpretar, mas o sentir.
Sentimos os mitos para estruturar o nosso pensamento, e somente pensamos no mito porque pensamos o mundo.
E vivemos tanto a racional quanto o sentimento do mundo, o concreto e o abstrato, o objetivo e o subjetivo, o real e o irreal, o material e o imaterial, o físico e a metafísica, o corpo e o espírito.
Vivemos, portanto, uma tênue linha na qual equilibramos nossas percepções e sensações.
Ogum
Há muitos Oguns, mas todos eles são um só, que se atravessam em diversos estados e qualidades.
Ogum é o Orixá da guerra, e do ferro, segredo que recebeu de Orunmilá.
O Orixá da tecnologia, que fabrica a sua própria arma, para enfrentar, e vencer, todas as demandas.
É o Orixá que se reinventa, que renasce nos confrontos, e que se pune a si próprio, se preciso for.
O Orixá que não adia o que tem de ser imediatamente encaminhado.
É um líder destemido.
Mas é um Orixá sem Reino, e cuja energia está em todos os lugares.
Sobre Ogun e Irê, a terra de Obatalá, as narrativas dizem que o povo não gostava dele, e o temia.
Uma narrativa mítica diz que Ogun destruiu Irê, e cortou a cabeça do Rei, tornando-se Orinê, o Rei de Irê.
Outra narrativa diz que ele se tornou Rei de Irê depois que ensinou o segredo do ferro aos Orixás, e aos humanos, mas, depois, desiludido, autoexilou-se, ou foi exilado.
Há mitos ainda que consideram que Ogum e Exu seriam irmãos, ou primos.
E ainda outros mitos que afirmam que os dois são um só, ou que um é renascido do outro, que um seria a punição do outro.
Por isso, alguns conhecimentos ensinam que, quando se oferece para Ogum, convém oferecer também para Exu.
Há um mito que narra que Ogum destruiu a própria cidade em cuja guerra a teria defendido, quando, ao retornar, não foi reconhecido pelos seus habitantes.
Mas isso ocorrera porque naquele dia a cidade guardava jejum e silêncio, pedido que o próprio guerreiro havia feito anos antes de partir para a guerra.
Há um mito segundo o qual Ogum haveria estuprado Yemanjá, outro, que ele teria sido um dos esposos de Iansã, que também desposou Xangô, a quem venceu em uma aposta na qual Iku (a Morte) o ajudou.
Antes de ser guerreiro, Ogum era um caçador, um agricultor.
Na mitologia Hindú, Ogum se equivaleria a Visvakarma, o deus da tecnologia, dos ferreiros, artesãos, escultores, metais, metalurgia, fogo e dos vulcões.
Na mitologia grega, pode ser comparado a Ares, filho de Zeus e Hera, o Deus da violência imprevisível da guerra.
Entre os romanos, o equivalente mítico de Ares é Marte, o deus da guerra e da agricultura.
O mito de Ogum também equivaleria ao mito grego de Hefesto, cujo equivalente na mitologia romana era Vulcano, o deus da tecnologia, dos ferreiros, artesãos, escultores, metais, metalurgia, fogo e dos vulcões.
Invocação
Ogum é o Orixá que rege os nossos conflitos pessoais, individuais, sociais, emocionais, profissionais, materiais, emocionais, coletivos.
Com suas armas, ele nos invoca a que tenhamos coragem para superar nossos limites.
Ogum exige que sejamos humildes, até mesmo para abrir mão dos poderes que conquistamos.
Portanto, sejamos solidários, e compartilhemos, com Justiça, os nossos conhecimentos, com todos.
E foquemos em nossa fé, para atravessar o deserto da desesperança.
Ogum nos cobra uma presença de força espiritual, para que saibamos lutar com bondade pelo Bem..
Ele reinará em 2019, com sua espada e o seu escudo.
E com as suas armas, partirá para as grandes batalhas.
E nós, seus filhos, que a Ele amamos, e a Ele respeitamos, teremos de saber suportar os momentos mais delicados e difíceis que se avizinham.
Teremos de ser mais tolerantes diante de pessoas belicosas, pacientes, e corajosos.
Porque haveremos de enfrentar o que não pode ser adiado.
E meditar pela paz, mas se o choque for inevitável, que sejamos destemidos, como nosso Pai Ogum.
© Francisco Weyl, Carpinteiro de Ogum & Cavaleiro de Aruanda
(Fontes consultadas: W.W. Da Matta e Silva / Portal dos Mitos / Wikipédia)
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