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O orçamento participativo, o cinema Olímpia e a Lei Aldir Blanc

Escrevo este texto com interesse de refletir porque a Lei Aldir Blanc, ao contrário de potenciliazar, ela silenciou o audiovisual paraense. E aproveito para refletir sobre (a ausência) de políticas públicas setoriais audiovisuais municipais e estaduais, do mesmo modo, propor alternativas viáveis para o setor, do qual sou tanto um pesquisador quanto um realizador e ativista.

O governo municipal aposta suas fichas numa experiência de participação popular, através da escolha de representantes por bairros, que definirão onde aplicar parte do orçamento da cidade, sem dúvida, um exemplo de gestão democrática, que, entretanto, não se observa na área cultural, onda inexiste uma secretaria específica, consequentemente, rareiam políticas públicas, apesar de algum esforço de um conjunto de atores que se tornam protagonistas num fórum de que eles mesmo denominam “cultural”, prática herdeira de várias formas organizativas desde a década de 1980, alternando-se, claro, os “representantes” das diversas categorias, que até mesmo se digladiam, quando o assunto é Poder.

É neste pântano das contradições das relações entre os movimentos sociais e o Estado (ou Município) que trilho este texto, provocativo, com o interesse de formular tanto uma crítica ao atual gestor público de Belém quanto apresentar um conjunto de considerações e propostas para o setor audiovisual, bem como para o Cinema Olímpia, inaugurado em 1912, sendo o espaço de exibição mais antigo em funcionamento do Brasil, e que está sob gerencia da Fundação Cultural de Belém (FUNBEL), instituição responsável por executar as políticas públicas para a cultura municipal, mas que até o presente momento não avançou na implementação da Lei Valmir Bispo dos Santos, esta nascida das discussões do Fórum Municipal de Cultura de Belém, na segunda década do ano 2000, altura em que se tornou referência nacional pelo próprio Ministério da Cultura, tendo sido aprovada pelo então prefeito Duciomar (2012), mas jamais implementada, nem por ele, nem pelo seu substituto Zenaldo.

O Sistema Municipal de Cultura (SNC), portanto, esbarrou na burocracia e na má vontade do Executivo, que chegou mesmo a propor a sua adulteração, em 2017, do mesmo modo, criou barreiras para o funcionamento do Plano e do Fundo Municipal, apesar de ter constituído um Conselho por ele manipulado, através da prorrogação de mandatos (que seriam renovados a cada dois anos), e da realização de reuniões de portas fechadas durante a discussão sobre a destinação dos recursos da Lei de Emergência Cultural em Belém do Pará.

Com a chegada de Edmilson pela terceira vez ao governo municipal, a expectativa dos movimentos sociais era de que finalmente o SNC andasse adiante, razão porque o Fórum das Culturas – que se debicava ao próprio estômago, em razão também das contradições internas de seus participantes – apresentou propostas com objetivo de ampliar o debate e a participação da sociedade civil e dos atores e fazedores culturais sobre a tão desejada implementação da Lei Valmir, como a eleição e renovação do Conselho Municipal de Políticas Culturais, e a realização de fóruns setoriais e distritais culturais, entretanto, o que se observa é que a prefeitura e a FUNBEL que não apenas repetem os mesmos erros das gestões passadas mas se baseiam nas adulterações propostas pelo antigo gestor, que como sabemos é conservador, o que, em tese, não o é o atual gestor.

Ora, o governo investe na comunicação ideológica de participação popular no Orçamento Municipal, com uma mão, mas, com outra, ele retira e ataca a democracia no campo cultural, segredando suas ações, como se doutos iluminados compusessem a administração da Fundação Municipal de Cultura, sujo gestor destinou R$ 1 milhão para escolas de samba em 2020, sem consultar o Fórum que se organiza há anos para dialogar esta questão, numa clara demonstração de desrespeito à democracia que tanto publicita.

Sem nenhuma dimensão política, sem diálogo, a FUNBEL se resume à República da Cidade Velha, ignorando as demais áreas da cidade, sendo que nem o seu gestor nem seus assessores parecem estar preocupados em construir de fato políticas públicas culturais, a começar pela Lei Valmir, seguindo-se pela criação de uma secretaria municipal de cultura, ou seja, a instituição responsável pela cultura de Belém segue elitizada e aparentemente sem interesse de mudar o atual estado das coisas, motivo pelo qual faço estas considerações, no sentido de contribuir com os debates, via propostas que considero fundamentais para o audiovisual paraense.

Mas, antes, preciso referir a Lei Aldir Blanc, que potencializou a produção audiovisual em todo o Brasil, consequentemente, também na Região Amazônica, e particularmente, no Pará, com a premiação de dezenas de projetos de festivais, mostras, e realização de filmes.

Mas, se não toda, grande parte desta produção continua invisível e invisibilizada, em razão da inexistência de políticas públicas regionais para o setor, ainda que uma Lei tenha sido aprovada na Assembleia Legislativa do Estado do Pará.

Sem dúvida, a Lei Audiovisual foi uma vitória da categoria, que se mobilizou pontualmente para colaborar com os parlamentares e o Poder Público, mas, se pensarmos os formatos organizativos regionais no Estado do Pará, observamos uma desarticulada das entidades ABDeC-Pa e Paracine, aquela, de realizadores, e esta, de cineclubistas.

Não sendo nosso objetivo inventariar as causas destas desarticulações de representações setoriais de categorias audiovisuais, observo que elas concorrem para a ausência de políticas públicas setoriais, bem como para a inexistência de instrumentos e de mecanismos de acompanhamento e de fiscalização por parte da sociedade civil.

Ao contrário de reunir dados através de um sistema próprio que fosse capaz de quantificar os indicadores do audiovisual a partir do próprio edital audiovisual da Lei Aldir Blanc, a Secretaria de Cultura praticamente abandonou à própria sorte produtores e realizadores, mas destes cobrou relatórios, e o cumprimentos de prazos, o que é bem justo, até porque não foram poucas as denúncias e comprovações de tentativas de fraude contra a Lei.

Não sendo minha intenção identificar os espertos que utilizaram os recursos da Lei de forma desonesta, falo de profissionais que não estavam em situação emergencial cultural, e de outros casos que nem vem ao caso aqui elencar, compreendo que, apesar da realização de filmes e de festivais e mostras de cinema e de vídeo, e de dezenas de lives temáticas, rodas de conversas virtuais, nem a sociedade não foi alcançada, e nem o público foi respeitado.

Isso porque a Secretaria de Cultura se desinteressou em organizar e apresentar os indicadores  dos resultados dos projetos audiovisuais beneficiados pela Lei Aldir Blanc, consequentemente, perdeu a chance de construir um cenário promissor para uma política pública dirigida ao setor, que sabemos ser gerador de renda e de trabalho.

E a crítica que faço à Secult/governo do Pará, faço-a também à FUNBEL, e até mesmo aos realizadores e produtores, mais interessados no mercado do que na educação popular através do audiovisual, considerando que, por ter sido premiado pela Lei para realizar a VI edição do FICCA – Festival Internacional de Cinema do Caeté, participei de grupos WhatsApp setoriais nos quais observei falas e práticas danosas à arte política e à cultura em geral.

Recordo que durante o governo Ana Júlia, quando atuei como Coordenador do Gabinete de Comunicação e Imagem da Fapespa, instituição que inclusive ajudei a criar, cheguei a propor, com base no “Mais Cultura”, um modelo de plataforma para apoiar a produção audiovisual dos pontos de cultura e das comunidades periféricas e excluídas, a ser gerido pelos diversos “departamentos” audiovisuais existentes no Estado, que deveriam ser centralizados num único espaço administrativo, de forma a melhor programar e executar as políticas públicas para o setor, mas nem vou falar que a ideia se foi por águas abaixo logo depois da primeira reunião com alguns profissionais do audiovisual que eram “lotados” no Estado.

O que eu propus e volto a propor é o Navegacine, com foco no cinema e no cineclubismo paraense, com o objetivo de difundir e formar o (e no) setor audiovisual no Estado do Pará, sendo, neste projeto, a difusão assegurada pela criação de uma plataforma/portal do cinema paraense na internet.

Nesta plataforma – preservando-se os direitos dos autores – seriam ou poderão vir a ser  disponibilizados filmes de realizadores paraenses interessados em (com)partilhar a sua produção (total ou em parte) à comunidade, garantindo ao mesmo tempo o acesso, a democratização audiovisual e a própria visibilidade do setor na Amazônia e no mundo.

Junto com os filmes, serão disponibilizados textos críticos sobre a obra, sinopses, fotografias de cena, e fichas técnicas com os dados do realizador.

A formação, à médio e longo prazos, poderá vir a ser concretizada a partir de parcerias com instituições de ensino e pesquisas sediadas ou não no Estado que estejam dispostas a patrocinar prêmios e bolsas para realizadores e pesquisadores de cinema no Pará, até porque, dentro de uma perspectiva Institucional, o NavegaCine seria ou poderá ser um  projeto de responsabilidade da Prodepa/Cinbesa, sob a gestão articulada entre a Secretaria de Cultura, Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves, Fundação Curro Velho, entre outras.

Dentro de um campo social, artístico e cultural, esta plataforma, pela ordem, dará prioridade à produções cinematográficas que vem sendo desenvolvidas pelos pontos de cultura; aos realizadores independentes; à experiências audiovisuais educativas e pedagógicas da sociedade civil;  de registro audiovisual dos movimentos sociais;  experiências audiovisuais das instituições públicas; e até mesmo experiências audiovisuais de empresas. Estrategicamente, o NAVEGACINE é uma proposta de política pública concreta na medida em que, mais que uma “janela”, ele garante a democratização e o acesso às obras audiovisuais, além de ampliar o próprio conceito de criação e fruição estética.

Com relação ao Cinema Olímpia, proponho uma gestão descentralizada, sem os mesmos notáveis que sempre programam sessões no Estado e comentam filmes nos raros espaços – é surreal Belém, parece que ninguém mais faz ou estuda ou pesquisa cinema e audiovisual, porque observamos uma reserva de mercado para um pequeno núcleo de pessoas há anos.

O Cinema Olímpia, portanto, deve ter uma gestão aberta, descentralizada, que foque necessariamente o cinema Amazônico e Paraense, eventualmente, podendo realizar sessões especiais de outros filmes nacionais, descolonizando o cinema Regional, entretanto, com o objetivo de valorizar o autor, roteirista, e realizador local através da organização de semanas em homenagens a tais realizadores, com diálogos sobre suas obras, como ocorrem nas sessões cineclubistas, cujos interesses são pedagógicos, estéticos e não comerciais.

Também penso que pode ser criado um Núcleo de Criação colaborativo – até mesmo voluntário, que desenvolva projetos de oficinas e cursos abertos sobre a estética do cinema Amazônico à comunidade, seja  no espaço do Olímpia seja em outros espaços de exibição, ou outros espaços culturais, e com os realizadores autores das obras se disponibilizando em ceder seus direitos autorais para a exibição dos filmes, sem cobrar ingressos, jamais.

Há que valorizar o autor local, com editais específicos para estimular adaptações para o cinema de obras literárias de autores paraenses, bem como organizar ações como “O realizador vai à escola”, em parceria com as secretarias estadual e municipal de educação, e ainda um “Rolê cinematográfico-cineclubista”, para dinamizar sessões e formações em escolas, onde podem e devem ser estimulada a criação de cineclubes, com a participação de trabalhadores da educação e alunos, além de despertar e favorecer o uso do audiovisual em sala de aula, do mesmo modo, ampliando a cultura de uma formação audiovisual.

Poderia descrever uma dúzia de ideias e propostas, mas fico por aqui, colocando-me á disposição do Poder Público e dos movimentos sociais para esclarecer os argumentos aqui apresentados.

 

Praia de Ajuruteua, Bragança do Pará, 01.02.2022

Francisco Weyl, Carpinteiro de Poesia



Autodenominado Carpinteiro de Poesia -  poeta, realizador, cineclubista, jornalista,  radialista, professor, ensaísta, artivista digital. Doutorando em Artes Plásticas, e pesquisador do Instituto de Investigação em Arte, Design e Sociedade, da Faculdade de Belas Artes (Universidade do Porto); Mestre em Artes e Pós-graduado em Semiótica (Universidade Federal do Pará, Brasil); Bacharel em Cinema (Escola Superior Artística do Porto);ministrou aulas de Comunicação, Cinema, Antropologia, Filosofia, Arte, e Metodologia, em Portugal (Instituto Politécnico de Bragança); Cabo Verde (Universidade Jean Piaget); e Brasil (Universidade Federal do Pará). Desenvolve projetos com jovens em situações de vulnerabilidade, em comunidades periféricas e quilombolas. Foi Bolsista da CAPES, e colaborou com o UNICEF. Edita o Blog Carpinteiro de Poesia; coordena o FICCA - Festival Internacional de Cinema do Caeté. É “Marujeiro”, associado à Irmandade de São Benedito; e Doutor Honoris Causa (Academia de Letras do Brasil – ALB), em Bragança do Pará.

PLATAFORMA LATTES http://lattes.cnpq.br/2981504017682094

ORCID https://orcid.org/0000-0002-6851-8098

CIÊNCIA VITAE https://www.cienciavitae.pt/pt/0E1F-491F-A77B

 

 

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