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Cláudio Barradas: Do lugar onde se vê o último Ato

A partida do Cláudio Barradas encerra um ciclo do teatro paraense.  

Assim como foi, há cerca de vinte anos, a partida do Luiz Otávio Barata.

Entre um e outro adeus, perdemos também muitos outros. Atrizes e atores que, como eu, foram crias desses dois mestres — Cláudio e Luiz Otávio — que, ao lado de Geraldo Salles e Ramon Stergman, compuseram, ali entre meados da década de 1970 e o início da de 1980, um respiro vital para o teatro feito em Belém do Pará.

Era um tempo de afirmação. Um tempo em que se confundiam os passos da cena teatral com a própria origem da Escola de Teatro da Universidade Federal do Pará.

Cláudio foi, sem dúvida, uma escola dentro da escola.  
Passar por ele era passar pelo rigor, pela entrega, pela sensibilidade.  
E, claro, pelo amor à arte.

Os que o tiveram como mestre — nas salas da Escola Técnica, no Teatro do Sesi, mesmo nos ensaios, onde eu ficava à espreita, para aprender, em espaços acadêmicos, institucionais ou alternativos — todos guardam em si esse gesto dele que formava, moldava, cutucava, libertava.

De suas mãos saíram muitos que depois viriam a despontar em outros grupos, em outras salas, em outros voos.

Recordo que sai da escola de Teatro e ficava a espera do Nova Marambaia ou do Icoaraci, ambos passavam na Avenida Da Paz, e parava em frente ao Teatro, quando o Cláudio se levantava com seus biscoitos macrobioticos para seguir sua viagem até o Panorama XXI, eu descia na Gleba 1 e andava até a Gleba II, onde morava, próximo a Rua da Marinha.

E eu falo com essa memória viva dentro de mim.

Porque tive a sorte de estar com ele em dois momentos que me marcaram:  
O primeiro, na montagem de O Papagaio, ainda pela Escola de Teatro.  
E depois, O Carro dos Milagres, ambas dramaturgias, adaptação coletiva do Benedito Monteiro, com texto final do Cláudio.

O Carro dos Milagres seria inicialmente montado pelo grupo Cena Aberta, mas que acabou sendo o ponto de partida do Grupo Cabano, nascido ali de um racha, típico da efervescência criativa da década de 1980.

Na época, eu era apenas mais um aluno, entre tantos.  
Mas já absorvendo seus ensinamentos, sua postura.  
E, claro, sendo apresentado a nomes como Stanislavski, Krotowski, Breht, Tchecov, Graciliano Ramos, Nelson Rodrigues, Jean Genet ...  e a gente misturava tudo numa época em que o universo se fazia denso e transformador,  o teatro, a arte.

Foi através do Cláudio que conheci os grandes mestres do teatro mundial.  
Foi através dele que fui despertado para a leitura, para a pesquisa, para o interesse pela cena como linguagem profunda.

E o tempo seguiu.

Décadas depois, em 2022, já como pesquisador, tive a alegria de me reencontrar com sua história — agora não mais como aluno, mas como coautor.  
Junto ao professor Denis Bezerra, meu orientador no doutorado e coordenador do Programa de Pós-graduação em Arte da UFPA, escrevemos o filme Do Lugar Onde Se Vê, que nasceu da pesquisa dele sobre o teatro paraense, com foco exatamente na trajetória do Cláudio Barradas.

A realização foi em parceria com Marcelo Rodrigues.  
E ali, na feitura daquele filme, prestamos um tributo ainda em vida ao professor.

Foi também nessa época, que o Grupo Perau — coordenado pelo próprio Denis — organizou o Seminário Nacional de Arte Cênica na Amazônia e, merecidamente, homenageou o Cláudio.

É com esse acúmulo de memórias e afetos que gravo esta fala.

Para lembrar do quanto ele foi importante na minha vida.  
Menino ainda, com menos de 17 anos, entrando na Escola de Teatro ali na Praça da Trindade, ao lado da OAB...  
Ensaiando o Papagaio, depois colaborando no processo de construção de O Carro dos Milagres, ajudando na produção, na montagem, no que dava.

Mais do que um mestre, Cláudio também se fez amigo.  
E essa amizade durou anos.

Quando editei a revista Pará 00, no número menos dois, entrevistei o Cláudio.  
Naquele momento ele era pároco em Santa Isabel (2003), e foi lá que nos reencontramos.

Tenho um afeto imenso por ele.  
Devo muito. Intelectualmente, humanamente.

Por isso, deixo aqui esse gesto de gratidão.  
Paz na tua alma, Cláudio.  
Paz na tua memória.

Obrigado por tudo que nos ensinaste.  
Obrigado por tua escola.

 

Carpinteiro de Poesia

30.06.2025

LINK PARA O FILME DO LUGAR ONDE SE VÊ

https://youtu.be/szPVOj_wnH0?feature=shared





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