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Assombrações, ancestralidade e a defesa da Amazônia na obra de Genésio Santos



Alguns tópicos da obra do Genésio Gomes dos Santos Filho que são necessários considerar, a partir da leitura de pelo menos duas de suas obras, “A Cobra Grande e outras lendas” e o “Assombroso mundo de Tia Maria”.

Públicadas através da resistente editora de autores paraenses, PAKA TATU, são obras que têm uma mesma estilística narrativa do escritor.

Genésio sabe as regras do jogo das narrativas e brinca com elas.

Há um narrador que fala, não exatamente como alter ego do escritor, mas um narrador que é também a sua própria fonte, no caso, sua Tia Maria.

E há ainda um narrador que é personagem de si, o Genésio, que, sendo demandado ou referido, “fala” na sua própria obra.

O narrador fala, conta a estória a partir de uma suposta história que lhe foi narrada.

E há momentos em que o Genésio - personagem refere o narrador.

Existem muitas camadas, portanto, que afetam a a obra do escritor Genésio Santos.

Torna-se necessário perceber essas camadas, Genésio vem da formação das letras.

É graduado em Língua Portuguesa e Língua Alemã pela UFPA, e, portanto, detém o conhecimento literário, para além da neolatina língua portuguesa.

E a sua experiência humana, enquanto servidor público, vai além da sala de aula.

Genésio chegou a trabalhar como investigador de polícia durante quase 20 anos.

Atuou em munciípios como Breves e Curralinho, no Arquipélago do Marajó.

Em seu trabalho policial, Genésio desenvolveu ainda mais o tempo da escuta, ouvindo e coletando causos que foram publicados no livro “Fantasmas de delegacias de polícia do Pará”, também editado pela PAKA TATU.

Ele que é do interior do Estado, natural de Tracuateua.

Mas não de qualquer Tracuateua, falamos da Tracuateua com raízes históricas e quilombolas.

Era o tempo em que o menino Genésio vivia e ouvia as histórias da mãe, que assume a figura da narradora na obra do escritor, através da personagem Tia Maria.

Tracuateua cuja memória se revela nas histórias do escritor Genésio e que permanece ainda viva nas memórias da Tia Maria.

O escritor, portanto, trabalhar com os lendários parauaras amazônidas.

Desde as lendas urbanas das delegacias policiais até as lendas das comunidades tradicionais invisibilizadas.

Com oito livros lançados entre poesias e contos e causos, o escritor chegou aser premiado pela Academia Paraense de Letras, tendo apresentado sua obra na Faculdade de Hamburgo, Alemanha.

Ele traz a sua pedagogia, a sua metodologia de trabalho acadêmico, desde a formação literária e também linguística para o seu processo de pesquisa e de escrita.

O escritor cria uma metanarrativa e um metanarrador em dialógica com narradores que se dividem na sua escrita.

A narrativa do escritor Genésio Santos refere a personagem Genésio como aquele que conta as histórias da Tia Maria.

A personagem Genésio, que é o narrador, e o personagem Genésio, que narra as narrativas da Tia Maria, que também narra suas próprias histórias.

Essas camadas estilísticas da escrita estão envoltas no contexto originário, territorial, de onde emerge o poeta, que é Tracuateua de muitas histórias, de muitos cenários.

Ele fala de dentro desta Tracuateua, de Jurussaca, dos Torres (ou Torre), do Cigano, de Quatro Bocas.

O escritor trabalha com esses elementos e contextos com a sua original estilística, portanto, a partir de vivências que ouve e reinventa,

Percebe-se claramente como escritor e narrador são fiéis a uma linguagem oral, o que dá mais veracidade à própria narrativa.

Podemos afirmar que a escrita do Genésio é uma escrita simples, é uma escrita direta, é uma escrita clara, é uma escrita pesquisada.

Uma escrita que revela “vícios” de linguagens, ou cacoetes, ou gírias, ou expressões idiomáticas que ele recolhe na pesquisa e na escuta e reutiliza na sua escrita.

O tempo da narrativa do escritor acerca das lendas ou do que se tornam contos no seu trabalho é um tempo muito de uma história curta, é um tempo de uma história breve.

Como se a história que fosse contada num corredor ou na espera de uma consulta, de um consultório, ou enquanto se compra pão na padaria.

Ou ainda quando se encontra alguém de passagem pelo caminho, com quem se fala brevemente.

São estórias curtas, portanto, narrativas breves, eivadas de elementos mágicos, míticos, dessa Amazônia, dos seus lendários.

  “A Cobra Grande e outras lendas”, por exemplo, é uma obra na qual o escritor fez uma recolha de diversas versões dessas cobras grandes.

Seu livro mostra a diversidade e, ao mesmo tempo, como essas lendas têm uma linha em comum que remete a essa força que é natural da própria Amazônia em si, com a evocação da figura da serpente e dos elementos das águas.

E em algumas das narrativas da obra “Assombroso mundo de Tia Maria” têm ainda um componente, além do territorial, geográfico, e político, memorialístico.

Genésio está sempre referindo à sua ancestralidade, à sua negritude, sempre procurando afirmar os habitantes originais desses diversos espaços e como eles migram.

Ler a obra do Genésio é uma grande harmonia mental que você a faz tranquilamente, de uma forma leve.

É um texto que flui com tranquilidade e que revela bem quem o escritor Genésio é na sua própria alma.

Um ser humano compromissado com a escrita literária, com a literatura, com a cultura literária, com a pedagogia da juventude, com a difusão da cultura amazônica e a afirmação da própria ancestralidade.

 

Lisboa, 08.11.2024


Carpinteiro de Poesia

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