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Muita pose, pouca política: Quando o Brasil fala e ninguém escuta

Querem Lula na foto, não na decisão. Aqui entre nós — e falo com a autoridade de um velho militante que já viu muita coisa neste mundo —, o cenário internacional virou um tabuleiro cheio de disfarces, manobras e vaidades. E, infelizmente, o presidente Lula tem cometido erros que não se pode mais chamar de tropeços inocentes. Tentou se posicionar como mediador da paz entre Rússia e Ucrânia, num gesto ambicioso, porém descolado da realidade e da posição que o Brasil efetivamente ocupa nas engrenagens do poder global. Depois, num arroubo político e moral, chamou Israel de genocida. Pode até ter razão no juízo, mas não cabe a um chefe de Estado, com a responsabilidade do cargo que ocupa, disparar esse tipo de palavra sem medir as consequências diplomáticas.

Na cúpula dos BRICS, foi convocado não para protagonizar, mas para compor — quase como figurante — o jogo dos interesses dos mais ricos, que, no fim das contas, mostraram não ter qualquer compromisso com os rumos do Sul Global, muito menos com Lula.

Foi constrangedor ver setores da “esquerda” - inflados pelo marketing presidencial - comemorar a presença inernacional de Lula ao lado de líderes com quem supostamente não compartilham valores, enquanto os donos da festa puxavam o tapete com elegância cínica. 

O bloco que Lula ajudou a fortalecer assinou uma nota em apoio aos Estados Unidos e a Israel durante a cúpula — no exato momento em que ele fazia discursos contrários à guerra e em defesa da paz. Ou seja: Lula falava uma coisa, mas os aliados apertavam as mãos de quem bombardeia Gaza. E o Brasil, mais uma vez, ficava no meio do fogo cruzado — sem munição real, apenas com retórica.

A contradição ganhou novo capítulo quando, após a taxação de 50% imposta por Donald Trump, os mesmos BRICS que haviam apoiado os EUA teriam emitido uma nota em “solidariedade" a Lula, numa tentativa tardia de reparar o desconforto. Mas, no fundo, já tinham mostrado de que lado estão — e não é exatamente o nosso.

Nos bastidores, Trump aproveitou o clima para acertar contas. Fez de Lula e Bolsonaro peças de uma mesma jogada — uma jogada que serve à sua própria narrativa e campanha. Conseguiu desestabilizar o tabuleiro diplomático e ainda parecer estratégico.

Escamoteou que seu foco era o fato de Lula ter metido o bedelho em delicados assuntos inernacionais sobre os quais as Naçõs silenciam. Não é erro se posicionar, entretanto, há que arrumar as coisas dentro de Casa.

Se continuar assim, vai pegar para Lula a pecha de que colocou a ideologia acima da nação — quando deveria ter priorizado, senão Deus, pelo menos o Brasil. Lula. É sim uma liderança importante para a América Latina e para a África, mas tem sido sistematicamente escanteado por Europa e Estados Unidos.

E a pergunta que fica é: por que insistir tanto nesses espaços onde só querem ouvir, não dialogar? Talvez fosse hora de ficar mais aqui dentro, escutar o chão do país e reconstruir pontes reais — com o povo, com os projetos nacionais, com a soberania que, mais do que discurso, exige estratégia.



Comentários

Luís Costa disse…
Compreendo a sua apreensão relativamente às posições assumidas por Lula da Silva no âmbito internacional, mas foi, para mim, muito gratificante ouvir uma voz dissonante no hipócrita discurso político mediático, onde todos se acabaram perante o belicismo ocidental. Viva o Brasil, nação soberana!

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