Pular para o conteúdo principal

jamais, haverás de sentir a dor do outro, nem na poesia

... tenho mais dores do que mundo, a minha dor me fortalece, entretanto, a dor alheia me enfraquece, por sentir que nem dor eu posso sentir pelo outro, ainda que solidário a ele eu seja, ou tente ser, porque mesmo o melhor de mim não é absolutamente nada para a dor do outro, nem meu afago, ou meu afeto, nem meu silêncio, nem a minha fala, nem a minha mudança, e nem que eu seja o mesmo, diante da dor, ou tu te transubstancias, transmutas, ou na tua condição humana, tu, a ela sucumbes, com alternâncias de humores, conforme o grau de intensidade, ninguém pode sentir a tua dor, e, jamais, haverás de sentir a dor do outro, nem na poesia, ou pior, na poesia é que de tanta mentira que ela trás, de tanta invenção e projeção de desejos utópicos, ela é que revela ou sugere a verdadeira dor de ser poeta com esta sensação que é a de sentir a dor sem senti-la, sentindo-a, e nesta dor de sentir a dor que tanto se ressente quando sente que o presente se torna ausente, nesta mistura de tempos que fissura o agora, que transforma, mas que te esgota, e transtorna, a dor, não há beijo que a passe, ela permanece, além do corpo, na aura, e te dilacera, atravessa a alma como um golpe lancinante, e quando tu te sentes, há sangue pra todo lado, tecidos, tessituras, pensamentos, silêncios, não se pode sentir a dor do outro, e nem a tua própria dor, a dor não se sente, ela que se senta diante de nós, e nos convida para ter com ela em sua morada, seduzindo-nos como uma serpente que degusta a própria cauda, até que enfim se enrosque em teu pescoço ronrone como um gato carinhoso que te lambe como um cão e que te abandona quando mais o querias acariciar...

     © Carpinteiro
       FOTO © #DRITRINDADE

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Panacarica: dois Anos sem Rô, mas a eternidade ainda Navega

A água que cai do céu é fina, serena e funda, como quem sabe o que está fazendo. Cada gota que pinga sobre o rio carrega uma ausência. Há ruído de motor ao longe — daqueles pequenos, que levam a vida devagar. Mas hoje ele soa diferente: parece triste. E é. Ele carrega uma notícia que ecoa por entre os igarapés: Romildes se foi.   Amazônia não costuma anunciar luto com alarde. Ela simplesmente se emudece. A várzea fica quieta. A floresta para um pouco. Os pássaros cantam mais baixo. É assim quando vai embora alguém que é raiz, tronco e folha do território. Foi assim quando partiu Romildes Assunção Teles, liderança forjada na beira do rio e na luta coletiva.   Ele não era homem de tribuna nem de terno. Era homem de remo, de rede armada, de panela no fogo e conversa sincera. Era homem de olhar adiante, de palavra pensada, de gesto largo. Era Panacarica. Chovia em Campompema quando recebi a notícia. A chuva, sempre ela, orquestrando silêncios no coração da várzea. Era como se o ri...

Cinema de Guerrilhas volta a Braga para segunda Edição

 Será no dia 26 de março de 2025, na sede da Associação Observalicia, em Braga, a segunda sessão das “Vivências do Cinema de Guerrilha – Resistência Climática”. Organizada por essa associação sem fins lucrativos, dedicada à pesquisa e atuação em alimentação, tecnologia e ecologia social, a ação propõe uma imersão no audiovisual como ferramenta de resistência e transformação social. Vamos continuar a trabalhar juntos na construção coletiva de filmes que denunciem as urgências climáticas e ecológicas atuais. A oficina busca democratizar o acesso ao cinema, utilizando tecnologias acessíveis, como celulares, para que comunidades e indivíduos possam contar suas próprias histórias e fortalecer sua luta ambiental. Como facilitador, trago minha experiência no cinema amazônico, onde venho desenvolvendo pesquisas e produções voltadas para a resistência cultural e ecológica. Como criador e curador do Festival Internacional de Cinema do Caeté (FICCA), sigo explorando as estéticas de guerrilha,...

Entre aforismos e reflexões sobre a existência - análise crítica da obra de Jaime Pretório

A obra, mesmo não sendo uma extensão do artista ou propriedade do público que a ressignifica, é uma potência inerente e transcendente ao próprio artista, entretanto, um escritor, como, em geral, um artista, não se resume ao que ele escreve, ao que ele concebe. A obra de Jaime Pretório, em especial sua coletânea “1000 Aforismos recortes de uma vida” vai além das palavras e das ideias que ele usa para expressar sua ampla reflexão sobre a condição humana, nestes tempos em que já nem sabemos ao certo se sobre ou sub vivemos. Nesta obra, o autor discorre sobre questões cotidianas, convocando-nos a uma jornada de introspecção, a partir de aforismos sobre normas sociais, dogmas religiosos, convenções filosóficas, mensagens poéticas. L er o autor impõem-nos desafios, ainda que na sua estilística aforística ,  o sinta gma  frasal se encerre em si próprio ,   através de  uma mensagem fragmentária, no caso d e  Pretório, uma mensagem fragmentária sobre os diversos temas qu...