... tenho mais dores do que mundo, a minha dor me fortalece, entretanto, a dor alheia me enfraquece, por sentir que nem dor eu posso sentir pelo outro, ainda que solidário a ele eu seja, ou tente ser, porque mesmo o melhor de mim não é absolutamente nada para a dor do outro, nem meu afago, ou meu afeto, nem meu silêncio, nem a minha fala, nem a minha mudança, e nem que eu seja o mesmo, diante da dor, ou tu te transubstancias, transmutas, ou na tua condição humana, tu, a ela sucumbes, com alternâncias de humores, conforme o grau de intensidade, ninguém pode sentir a tua dor, e, jamais, haverás de sentir a dor do outro, nem na poesia, ou pior, na poesia é que de tanta mentira que ela trás, de tanta invenção e projeção de desejos utópicos, ela é que revela ou sugere a verdadeira dor de ser poeta com esta sensação que é a de sentir a dor sem senti-la, sentindo-a, e nesta dor de sentir a dor que tanto se ressente quando sente que o presente se torna ausente, nesta mistura de tempos que fissura o agora, que transforma, mas que te esgota, e transtorna, a dor, não há beijo que a passe, ela permanece, além do corpo, na aura, e te dilacera, atravessa a alma como um golpe lancinante, e quando tu te sentes, há sangue pra todo lado, tecidos, tessituras, pensamentos, silêncios, não se pode sentir a dor do outro, e nem a tua própria dor, a dor não se sente, ela que se senta diante de nós, e nos convida para ter com ela em sua morada, seduzindo-nos como uma serpente que degusta a própria cauda, até que enfim se enrosque em teu pescoço ronrone como um gato carinhoso que te lambe como um cão e que te abandona quando mais o querias acariciar...
© Carpinteiro
FOTO © #DRITRINDADE
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