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CRÔNICAS BRAGANTINAS: A Escola de Poetas Dom Miguel Maria Giambelli

 

Quem trafegou pela Rodovia José Maria Machado Cardoso (PA-458), que liga o núcleo urbano de Bragança até Ajuruteua, para se banhar nas praias do Campo do Meio, Vila dos Pescadores, Pilão e  Buiuçucanga, sabe porque, apesar de ser o segundo mais pobre do país (G100), o Município possui uma riqueza poética pela própria natureza.

Com a sua arquitetura de casarios que ainda guardam traços da Belle Epoque, período em desfrutava da localização privilegiada de entreposto comercial entre Pará-Maranhão, no ciclo áureo da borracha, Bragança hoje ainda atrai visitantes, por causa de sua biodiversiade, e de sua tímida economia, baseada no pescado, que exporta, e na farinha mais deliciosa do planeta.

  A despeito das mazelas econômicas e sociais, que geram um povo omisso e dependente dos agentes políticos, o povo bragantino hoje é híbrido, formado por muitos visitantes que ocupam a área urbana, enquanto que a maior parte da população reside na zona rural, em colônias, campos e praias.

E é talvez por isso mesmo que seja impossível falar de Bragança do Pará sem falar da poesia que brota daquela terra, que é o primeiro Município brasileiro a ter uma escola focada na formação do gênero literário poético, graças ao utópico José Ribamar Gomes de Oliveira, que sonhou levar o ensino da poesia para trinta e oito mil novecentos e dezoito alunos, que estudam nas cinquenta escolas estaduais de ensino fundamental e médio, e nas cento e vinte e sete escolas municipais de ensino infantil e fundamental, que compõem a rede educacional bragantina.

Morador da Rua Dr. Roberto, 856, no Bairro Cereja, há mais de setenta anos, José Ribamar Gomes de Oliveira por si só daria uma crônica, e mais que isso, um livro, de muitos tomos, justo ele que escreveu diversas obras históricas sobre o Município, entre estas “De Vila Cuera a Bragança”; “Bragança, Futebol e Cultura”; “Memórias de nossa terra”; “Cem anos da Estrada de Ferro de Bragança”, e “A Alma das Ruas”, sendo ainda, entre outras coisas, o fundador e primeiro presidente da Academia de Letras e Artes de Bragança (ALAB); o fundador e primeiro presidente da Seccional Bragança da Academia de Letras do Brasil (ALB-BRAGA); e atualmente, ainda presidente da Associação Sócio-Cultural e Recreativa de Bragança (ASCURBRA).

Autor de dezenas de livros, um deles sobre Dom Miguel Maria Giambelli (“O Missionário Barnabita”), que foi traduzido para o italiano (“Un Vescovo bresciano in Amazzonia”), José Ribamar decidiu batizar a Escola com o nome deste religioso, que foi grande evangelizador e educador social, sendo, o projeto, inaugurado numa sexta-feira (24/3/2017), inicialmente, com quarenta alunos, de doze escolas públicas e duas escolas privadas, aos quais foram ministradas vinte e uma disciplinas, por professores voluntários, a maioria dos quais, egressos da Academia de Letras do Brasil – Seccional Bragança, sob a direção de Maria Lena Cláudia dos Santos Amorim Saraiva, antropóloga e pedagoga, e que foi presidente da Seccional Bragança da Academia de Letras do Brasil - 2018/2020.

Sendo a Escola de Poetas um lugar de aproximação com a poesia de forma livre e espontânea, ao longo das aulas, os futuros poetas socializavam em saraus públicos, com o ideia de que, ao no final do curso, as suas produções fossem reunidas em livro, editado pela ALB-BRAGA, entidade aberta ao serviço das grandes causas de seu tempo, que preserva os valores históricos da cidadania e da formação, do caráter, e da espiritualidade humana, entretanto, apesar de que o sonho utópico do imortal José Ribamar fosse o de que cada aluno tivesse um padrinho (uma espécie de tutor), e que a Escola de Poetas se transformasse na primeira "Academia Juvenil de Letras" do território nacional brasileiro, após a abertura das aulas, numa manhã de terça-feira (2/5/2017), quando o próprio criador do projeto conversou com os jovens alunos sobre Dom Miguel Maria Giambelli, e, mesmo apesar de uma tímida parceria com as secretarias estadual e municipal de educação da prefeitura de Bragança e do governo do Pará, com o passar do tempo, a Escola reduziu-se a cerca de três professores, entre os quais este cronista, e vinte e dois alunos, sendo as aulas transferidas do prédio onde funciona a Rádio Educadora para o 33º Batalhão de Polícia Militar.

Quando eu olho para esta experiência da Escola do Poetas, eu me coloco a pensar, antes de tudo no seu mentor, o professor Ribamar, que é como eu o gosto de chamar, carinhosamente, pessoa que sempre me acolheu e com a qual eu tenho aprendido bastante, sendo ele próprio e suas obras, fonte inesgotável deste cronista que se arvora a escrever memórias que nem sempre são suas, mas das quais ouve falar e de certa forma se apropria, portanto, penso antes de tudo no professor Ribamar, por ser um dos bragantinos mais ilustres que nossa terra já conheceu, pela sua perseverança na pesquisa, a qual avança de forma autodidata, disponibilizando-nos um legado fecundo, muito mais qualificado e quantitativamente maior que muitos doutos acadêmicos, e que, entretanto, com a sua humildade, tem a cabeça erguida, por ser um educador popular das muitas gerações caeteuaras.

Penso no professor Ribamar ao mesmo tempo que minha mente se volta aos alunos da Escola de Poetas, jovens cujo brilho nos olhos me trazia vida em cada aula que participavam, com seus questionamentos, e suas levezas em ver o mundo com a poesia, a despeito das dificuldades estruturais dos espaços em que as sessões ocorriam, e mesmo apesar dos problemas que eles têm também nas escolas, nas ruas, e em suas casas, porque eram eles a própria poesia, sintetizada de uma cidade que ignora a potência de suas filhas e de seus filhos, razão porque este projeto com a troca de experiência destes jovens foi e ainda é, um alimento para a minha alma, pelo que sou grato também por ter partilhado destes encontros e ter podido colaborar com as professoras Lena Amorim e Maria José, além do próprio professor José Ribamar.

Francisco Weyl

Porto, 22 de Setembro de 2020

Ouça a CRÔNICA

Este texto constitui a décima primeira sessão do Microprojeto CRÔNICAS BRAGANTINAS, pela via da qual publico narrativas escritas e memorialísticas autorais neste espaço, além de audionarrações que podem ser ouvidas neste Blog ou no Canal do Carpinteiro no Youtube.

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