Semana passada fui visitar a exposição “Exército” de minha amiga Ana Tinoco.
Ana é poeta, escritora, realizadora, e artista plástica.
Formamos juntos na Escola Superior Artística do Porto, ESAP, há 17 anos, e mantemos nossa amizade há 20 anos.
Não posso dizer que a vi amadurecer mas mesmo no período em que não morei no Porto consegui acompanhar o seu trabalho.
Do digital, ela foi para o Super-8 milímetros, depois, para o 16 MM, sempre com uma cinematografia de base radical e artística, experimental, em que revela seus diversos mundos, que faz questão de não os manter aprisionados ao seu próprio Ser.
Ana vem de uma geração de pessoas que se lança ao mundo como quem se jogo ao abismo, ela se entrega às coisas que cria.
Seus filmes são marcas de sua natureza, em que o seu corpo se põe à deriva e sua carne se sacrifica.
Ela também é atriz de diversos filmes da Escola do Porto, inclusive meus, que cheguei a escrever-lhe uma trilogia.
Sua obra escrita tem a densidade de um Samuel Bekett, pela ocupação de um espaço que sendo mental, é também concreto.
Suas frases incomuns não principiam de um ponto de partida, mas seguem as linhas de um destino cujo começo não se sabe onde é e seu término fica á meio do caminho, como se não conseguisse chegar a nenhum tipo de fim.
Um sintagma em suspensão, um aforismo inconcluso, uma avalanche de ações que se sustentam uma a uma sobre o cume de uma montanha que pode desabar a qualquer momento ou gestar em si um vulcão.
Seu texto é ela própria com seu Ser e seu jeito de estar com os amigos, a partilhar o mundo.
Ana é uma menina sincera e tímida cuja fala não carece de palavras, mas de atitudes, poéticas.
Na sua infância, alguma doença a atrofiou os músculos e lhe deformou o corpo, mas ela atravessou as fronteiras desta diferença com a sua arte pessoal.
Estudamos juntos na Escola Superior Artística do Porto, onde nasceu a nossa amizade que apensas cresce como um rizoma.
Do cinema à escrita e da escrita às artes plásticas, Ana construiu o seu “Exército”, com o qual desfilou em diversos espaços do planeta, ao enviar figuras autocolantes para que fossem afixadas em qualquer lugar e registradas como rastags.
Com estas marcas, ela construiu a sua vanguarda, retirando da caserna a sua compulsão pela pintura em diversos suportes.
Como um jogo de arte pop, ela se apropria de imagens fotográficas de várias obras já conhecidas do público e a elas sobrepõem os seus soldados, resignificando as estruturas de uma virtualidade na qual a sociedade se dilui.
Suas formas são figurativas e lembram pinturas rupestres que foram retiradas às cavernas para renascer à arte contemporânea.
Nesta miscigenação de elementos, seus índices-objetos-soldados afrontam os ícones-sistêmicos-artísticos, e geram ou degeneram os símbolos que representam a sua guerra criativa.
Visitei a sua exposição de pinturas no Duas de Letras, e a vi - filmada pelo Celestino Monteiro - a pintar num dos espaços mais castos da arte do Porto, a “Árvore”, na qual pode se observado um grande painel com os soldados de seu Exército.
Ana agora diz que vai pintar sobre mapas antigos que representam territórios de Portugal colonial.
De certeza que vai destroçar fronteiras.
Francisco Weyl
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