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Quilombolas do América em pé de guerra na luta por direitos em Bragança do Pará


A Associação de Remanescentes do Quilombo do América (Arquia) realizou um ato político no dia 13 de Maio, para refletir sobre as condições de vida da comunidade.

O ato ocorreu na Escola Américo Pinheiro de Brito, que funciona no Quilombo.

Com cartazes e faixas, dezenas de moradores marcaram posição contra o racismo, a ausência de políticas específicas para os quilombos, e contra as políticas de embranquecimento que desqualificam e invisibilizam a juventude, as mulheres negras, quilombolas e periféricas.

O ato também serviu para denunciar o racismo estrutural e institucional que afeta mais de 50% da população negra, brasileira e paraense, que tem sofrido diante da retirada e negação de direitos historicamente conquistados.

A população negra, quilombola, periférica, entretanto, resiste, na luta pela criação de espaços governamentais e de políticas públicas específicas.



Escola - Apesar do Quilombo do América ser reconhecido pela Fundação Palmares, e ainda que a escola pública e rural onde aconteceu o ato estar sediada na comunidade, ela ainda não é oficialmente Quilombola.

E esta, é apenas uma das lutas por direitos da Arquia, que aguarda há meses uma posição do Ministério Público para fazer cumprir a Lei 10 639.

A Lei estabelece a obrigatoriedade do ensino de "história e cultura afro-brasileira" dentro das disciplinas que já fazem parte das grades curriculares dos ensinos fundamental e médio,

Edificada em 14 de julho de 1982, a escola atende à modalidade de ensino regular, pré-escola (4 e 5 anos), ensino fundamental, e EJA – Educação de Jovens e Adultos.

Com cerca de 50 metros quadrados, a escola dispõe de cerca de 10 funcionários, e oferece alimentação escolar para os alunos.

Entretanto, a prefeitura de Bragança, através da secretaria municipal de Educação, não atende às reivindicações da Arquia.



Arquia - A presidente da entidade, Rosete do Socorro Melo de Araújo, Agente Comunitária de Saúde (ACS), narra uma hercúleo luta para que o Poder Público Municipal respeite os direitos da entidade.

Ela e entrou com documento na Câmara Municipal para que a Arquia compusesse o Conselho Municipal de Educação.

A proposta foi aprovada, mas ainda não homologada pelo prefeito.

Depois de várias tentativas para que fosse recebida oficialmente pela prefeitura/Semed – Bragança, finalmente, a líder comunitária conseguiu que o Poder Público nomeasse uma professora da comunidade para o EJA.

Esta pedagoga, lamentavelmente, estava lotada como servente, apesar dos seus 29 anos de trabalhos dedicados ao Município.

É uma vitória parcial, segundo Rosete Araujo, que esclarece que existem mais direitos violados, como o não reconhecimento da escola como escola do Quilombo, o que garantiria direitos de gestão à Arquia, conforme o Estatuto da Igualdade Racial, desrespeitado pela prefeitura/Semed.

Esta situação tem provocado embate entre a comunidade e o Poder Público, que não respeita a indicação de servidores por parte da Associação, e insiste em nomear pessoas estranhas à comunidade.

Mas, a Arquia tem resistido bravamente, tanto que chegou a fazer protestos e fechara as portas da escola como forma de pressão contra a prefeitura/Semed – Bragança.

Depois deste ato político realizado no dia 13 de Maio, a Arquia foi informada pela prefeitura que teria direito a uma vaga no FUNDEP, Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica, principal mecanismo de financiamento da educação no país.

Em vigor desde 2007, o Fundo vem sendo atacado pelo governo, que tenta extingui-lo dentro de uma política de retirada de direitos e de recursos educacionais no país.



América - Como profissional de saúde, Rosete cuida de 148 famílias (o América tem uma população de cerca de 500 pessoas, 60 por cento da qual, composta por mulheres).

E as mulheres, aliás, destacam-se na liderança da comunidade.

Além de Rosete, que preside a Arquia, o clube de futebol Santa Cruz, que disputa as categorias da primeira divisão, segundinha, veteranos, e feminino, é comandado pela Dona Maria Augusta Pinheiro.

Parteira do Quilombo do América, Dona Maria é descendente do fundador da comunidade.

Além disso, o Quilombo tem uma árbitra de futebol federada, Ruth Helena, que apita jogos dentro e fora do Município.

A força das mulheres no Quilombo é também marcada pela participação delas na Arquia, através da realização de atividades políticas e culturais, como formações e oficinas, cujo objetivo e a geração de emprego e renda.

“Nós não queremos mandar no Quilombo, queremos nossos direitos garantidos, direito _a educação, à saúde, ao transporte, ao saneamento básico, água potável”, afirma a liderança do movimento negro quilombola.

Rosete diz que os direitos estão sendo violados no Município, razão pela qual ela se sente desafiada.

“Nós sabemos a dor e conhecemos a dor de cada povo preto que está enfrentando este governo racista que impôs a condição que estamos passando hoje no Município de Bragança, mas nós vamos continuar a reivindicar e resistir, nenhum direito a menos”, conclui Rosete.


NOTA DO EDITOR:

O Brasil foi o último país a encerrar a escravidão, mas as consequências ainda são pulsantes no racismo estrutural e institucional, pelo que o nosso sentimento é de indignação, vidas negras, quilombolas, periféricas, importam.

O ato realizado no Quilombo, nesse sentido, foi uma demarcação de posição contra as três esferas do Poder Público, que silencia diante da exclusão do mercado de trabalho, e da violência contra o povo, a juventude e as mulheres negras.



Quilombo do América, Bragança do Pará, 14 de Maio de 2021

Texto © Francisco Weyl


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