A ESCOLA DO PORTO E A TEORIA DOS MAGNÍFICOS QUADROS ARTÍSTICOS CINEMATOGRÁFICOS - Por Francisco Weyl
Eu não vou defender a Escola do Porto, porque eu posso vir a defender alguma coisa que não existe. Melhor dizendo, eu não posso defender uma coisa que não existe. Se ela existe, só existirá na minha cabeça.
Porque a Escola do Porto teve muito mais praticantes do que teóricos. E, sem dúvida, eu sou um dos poucos teóricos que essa escola teve. E desses tantos praticantes, portanto, podemos dizer que existiram tantas escolas do Porto, quantos foram os seus praticantes ou aqueles que a assumiram para a sua própria história.
O próprio fato de estar aqui a falar sobre a Escola do Porto já revela a sua existência, portanto, a sua presença. Até porque, aparentemente, é alguma coisa que gera controvérsias. Ora, o nada ou o inexistente não pode gerar controvérsias, ainda mais quando esse inexistente ou este nada é relativo a uma escola que se lança à própria cena do cinema aqui no Porto.
Acho que teve muitas más informações acerca da escola, exatamente a falta de uma estruturação, a falta de uma teorização a respeito dela, e da difusão dessa própria teorização que gerou essa má informação. Mas, ao contrário, ela gerou uma boa formação. Podemos dizer que a Escola do Porto não é datada, entretanto, podemos situá-la cronologicamente, historicamente, e relacioná-la diretamente à figura de um professor da Escola de Cinema da Escola Superior Artística do Porto, o Sério Fernandes, que reuniu à volta dele muitos alunos a partir de uma práxis cinematográfica que ele adotava de sair com seus alunos, o que nos remete, por assim dizer, à maieutica, que é um método de ensino filosófico, em que ele preferiria sair da sala e ir para outros espaços.
Então, a Escola do Porto pode estar relacionada à própria ESAP, e isso também já gera uma própria confusão de que, sendo Escola do Porto, é a ESAP. Quando se fala em Escola do Porto que se relaciona à ESAP, se fala de Escola de Arquitetura, porque ESAP foi uma escola criada pelos arquitetos. Mas, quando se fala de Escola do Porto, na hora do cinema, automaticamente se fala em relação aoSério Fernandes mas não necessariamente entre muros da ESAP, porque a sua prática deste professor e realizador era do lado de "fora" desta Escola, apesar de que, na altura, o Sério era professor da ESAP e reunia à volta de si vários alunos, entre os quais, eu próprio, e tantos outros, desde a primeira geração, com Pedro Pena, Miguel Oliveira, Luís Costa, Celestino Monteiro, José Alberto Pinto, Jaime Ribeiro, entre outros que se destacavam na altura.
Então, é exatamente um pouco à volta da trajetória do Sério, na ESAP que está relacionada essa história da Escola do Porto. E, em função de serem muitos dos seus praticantes, ou aqueles que a assumiram, e que gerou essas controvérsias, saía-se para se filmar, argumentos e tal, que é uma grande verdade acerca da própria escola.
Se eu pensar, é uma escola que remete a um conceito antropológico de cinema, uma arte associada à pintura, uma arte associada à filosofia, uma arte associada à comunhão, ao se deixar estar no próprio espaço e tempo da própria criação, da própria realização, em que o ser se remete, se coloca diante da própria natureza e se abre à perspectiva da natureza para não criar a natureza, e sim a percepcionar essa natureza e transformá-la em arte a partir da própria natureza, ou seja, sem uma dimensão mecânica da relação com o equipamento eletrônico e da própria mediação desse equipamento, onde hoje nós observamos as escolas de cinema, e mesmo fazer cinematográfico, está muito subestimado, submetido a essa mediação, ao equipamento, à qualidade do equipamento e a prática cinematográfica praticada pelo sério com os seus alunos não estava direcionada a essa mediação.
Entretanto, era de um rigor artístico absoluto, nesse sentido trágico, nesse sentido épico. Então, eu penso que muita gente não deu conta de compreender essa dimensão e acabou se atrapalhando no meio do processo, achando que era um fazer cinematográfico simples, quando de fato é. E, entretanto, é complexo e é histórico. E essa dimensão histórica e essa percepção do complexo é que eu acredito que algumas pessoas perderam.
Então, fazer a recusa da escola, porque a escola não tem um argumento, a escola se filma quaisquer coisas, quando exatamente é esse deslocamento, essa entrega ao seu próprio espaço, do ser criador, que lhe coloca numa outra dimensão, temporal e espacial, para que ele possa criar. Então, eu percebo que é aí que tem que ser preservada a escola do Porto.
O QUADRO ARTÍSTICO
A Escola do Porto assenta-se num universo de contradições. Seus teóricos não estão à disposição dos críticos para justificar os seus pensamentos, os quais, apesar de profundos, enraizados em concepções artísticas e filosóficas, nascem para ser destruídos, não defendidos.
Antiteóricos por princípio, os realizadores da Escola do Porto são leitores de Nietzsche, Baudelaire, Pascoaes e Glauber. Qualquer realizador da Escola do Porto quer apossar-se de uma estrutura para destrui-la. É a isso que se propõe a Escola do Porto: uma ruptura com o establishment e um resgate dos princípios mais simples da arte.
Mas não irei defender a Escola do Portuguesa de Cinema nem a autodenominada Escola do Porto, porque eu posso vir a defender um objeto fque talvez não exista enquantgo fenômeno, ou, se existir, talvez apenas no campo epistêmico do pesquisador, entretanto, o próprio fato de se estar a pensar sobre esta “Escola” já revela a sua existência e resistência.
E o nada - não existente, paradoxalmente, não geram controvérsias, muito menos, quando este “nada” refere uma cena cinematográfica, que talvez seja mais ficional do que real, portanto, a Escola do Porto ainda é um tema que gerou e ainda gera controvérsias.
E entre os mais praticantes desta Escola, sem dúvida, que este pesquisador é um dos poucos teóricos sobre a mesma, entretanto, podemos dizer que existiram (existem?) tantas Escolas do Porto quanto o são e/ou o foram os seus teóricos e/ou praticantes.
Apesar de ser formada por realizadores que estudaram na Escola Superior Artística do Porto - ESAP, onde se formou em Cinema este pesquisador, esta autodenominada “Escola do Porto” não é uma Instituição em si mesma, sendo, na verdade, mais uma articulação de pessoas que têm como base um princípio estético artístico definidos.
Estas pessoas, teóricas e/ou praticantes desta Escola, entretanto, mesmo sem se autoafirmarem como tal, elas têm inspirações de natureza anárquicas, considerando que, sem obedecer a regras específicas, expressam-se a si próprias por meio de produções (individuais ou coletivas) que expressam a filosofia da Escola do Porto em suas obras artísticas.
A Escola do Porto tem o cinema como fundamento, mas expande-se ao universo artístico, atingindo concepções filosóficas que definem um princípio de existência. Neste sentido, aprofunda as relações entre os seres humanos, remetendo-lhes para a sua própria consciência, a consciência do ser. E numa dimensão para uma relação mais profunda com a existência, atinge-se a perspectiva nietzschiana, segundo a qual, ao artista criador não interessa o que ele faz, mas sim o que ele é, o que ele afirma da coisa que ele é, e o que ele pensa ser.
Quando se fala de Escola do Porto, fala-se de ESAP, e quando se fala de ESAP, fala-se de uma “Escola do Porto” relacionada à Arquitetura, porque a ESAP é uma escola artística criada por arquitetos. Entretanto, quando se fala de Escola do Porto, na área do cinema, automaticamente se fala do criador da Teoria dos Magníficos Quadros Artísticos Cinematográficos, professor José Eugênio Sério Fernandes, porque, na prática, era do lado de fora, mas com as estruturas internas, que, na altura, este Mestre reunia alunos e com eles produzia e realizava diversos filmes sob um mesmo princípio estético das TMQAC.
E é exatamente a volta da trajetória deste professor na ESAP, portanto, que se pensa a Escola do Porto na sua essência, assim como a teoria (TMQAC) que a estrutura, e, segundo a qual, os planos devem ser abertos, fixos e cronometrados (em um minuto), e seus temas, de natureza filosófica e antropológica, portanto, a Teoria não nasce dos filmes da Escola do Porto, mas na sua estruturação estética e na poética da relação do homem com a arte, a partir do pensamento e da práxis radical de Sério Fernandes.
E neste sentido, esta teoria define o Ser artístico.
Tomada como um sintagma frasal, a TMQAC encerra uma sucessão (é, na verdade, uma associação, mas não uma livre associação) de conceitos articulados que se fundem (de forma não espontânea) em um único conceito, artístico por excelência.
Se a TMQAC é um conceito - uno - que resulta de uma sucessão/associação de conceitos, e se tais conceitos, unificados, definem a TMQAC, a qual define a Escola do Porto, não se poderá dizer que ela possua apenas uma TMQAC. A Escola do Porto tem tantas teorias dos Magníficos Quadros Artísticos quantos forem os realizadores que as assumem. Alguns desses realizadores teorizam quando conversam, e filmam (ou mesmo quando sonham com seus filmes ou apenas os imaginam). Outros a teorizam quando escrevem sobre ela.
E uma teoria se pressupõe uma técnica - para se tornar em uma práxis (articulando/justapondo teoria e prática) não pode esvaziar-se nos próprios conceitos que cria e aprofunda. O passo à práxis não requer uma perda de objetivação de resultados nem um praticismo sem sentido, ao contrário, concretiza-se com bases e fundamentos teóricos, os quais, reelaborados e praticados, atingem a práxis.
Mais que uma teoria, a TMQAC é uma práxis expressa em filmes, sejam eles realizados, ou não. Sejam eles realizados em quaisquer suportes, em película ou em vídeo, deverão ser considerados filmes. E mesmo que os filmes, não sejam realizados a posteriori, haverão de ser realizados, a priori, portanto, serão sempre filmes, quer ainda dentro de uma ideia na cabeça de um criador, portanto, em imagens conscientes e inconscientes, ou então como resultado traduzido em imagem (e/ou som), projetado ou não, analógico ou digital.
Os filmes que se realizam a priori já são filmes porque contém em si a imagem pura. Paradoxalmente, bruta, porque presa ao imaginário de seu criador, tal qual uma escultura ainda oculta sob a pedra, mas já desenhada e definida (realizada) na cabeça do escultor. Paradoxalmente, bruta e abstrata, porque imagética, imaginável, e, como tal, pré-realizada, mas já realizada.
Esta é a dinâmica do filme que se realiza a priori, do filme que nasce feito na ideia de seu artífice. Se será ou não realizado, se será ou não processado, tornado argumento, texto, imagem, montagem, já o será a posteriori.
O Ser também é uma máquina capaz de filmar com os seus olhos ou com os seus sonhos. O Ser, como máquina, é técnica, possui funções e instrumentos, suportes e estruturas, força e movimento, além de outras qualidades e atributos capazes de registrar uma imagem em sua memória. Mas o Ser também é coração.
Mais que uma teoria, a TMQAC é uma práxis que absorve mas ultrapassa diversos fenômenos, condenando-os e condensando-os ao campo da técnica, que é apenas um instrumento (ou uma ferramenta) a ser usada pelo artista, porque, a evolução da técnica resulta do crescimento cultural do Ser, entretanto, ao submeter a sua criatividade artística, o ser humano se tornou vítima de sua própria armadilha, como um artesão que recorre à Inteligência Artifical quando deveria usar mais a própria mão.
Enquanto práxis de fundamentação teórica que se realiza no cinema, a TMQAC é a qualidade de arte da imagem em movimento, sem, entretanto, interferir na ordem dos conflitos culturais os das relações comerciais que determinam a arte cinematográfica na sua extensão de indústria do entretenimento.
A crise da arte é menos importante para a TMQAC do que realizar um filme sem câmara, apenas com os olhos, porque o artista, rigorosamente, interfere na obra: os fotogramas iludem o movimento e comungam com os elementos que compõem o universo da arte cinematográfica. E o cinema é a síntese e base de produção estética (bruta e suja) que dilui o homem na natureza de sua própria história, e revela o Quadro (e não mais o plano) como uma pintura dentro da qual se sucedem os fenômenos naturais. Na síntese imagética desta Teoria, o cinema utiliza elementos poéticos da pintura e do teatro, e devolve à arte o seu estado de magia primitiva, o seu fecundo sonho, o seu ritual da caverna, habitat dos nossos antepassados dionisíacos.
Há muita má (in)formação sobre a Escola do Porto. E, exatamente, foi a falta de estruturação, a falta de uma teorização a respeito da escola do Porto, e a ausência de difusão desta própria teorização, que gerou esta má(in)formação e, consequentemente, as falsas controvérsias a respeito dela. Mas, ao contrário, a Escola do Porto, gerou uma boa formação àqueles que por ela passaram.
A Escola do Porto não é datada, mas a podemos situá-la, histórica, e cronologicamente, e relacioná-la, diretamente, a figura de um professor de cinema da Escola Superior Artística do Porto, que é o Sério Fernandes, que reuniu a volta de si muitos alunos, a partir da práxis que adotava, sair com seus alunos para filmar, o que nos remete por assim dizer à maiêutica, que é um método de ensino filosófico.
Sério preferiria sair da sala e ir para outros territórios e espaços, sendo por esta razão que a Escola do Porto está relacionada à própria ESAP, o que gera um ruído de compreensão quanto ao que de fato é esta Escola, mas, para resolver esta questão, pense numa arte associada à pintura, uma arte associada à filosofia, à comunhão, ou então, pense num cinema que se coloca no próprio espaço-tempo da criação, e da sua realização, em que o ser se abre a perspectiva da natureza. Mas não para criar a natureza, e sim a percepcionar e a transformar em arte.
E sem uma relação mecânica com o equipamento eletrônico, ou com a própria mediação das máquinas, ao contrário do que observamos nas escolas de cinema em que o fazer cinematográfico é subordinado a uma técnica castradora da criação. E enquanto Sério Fernandes, sem se limitar a esta mecânica, era de um rigor artístico, absoluto, no sentido trágico, e no sentido estético, muita gente, sem compreender essa questão, acabou produzindo e repercutindo inverdades sobre a Escola do Porto, considerando simples, o que de fato, é complexo. Mas é exatamente este deslocamento, e a entrega ao próprio espaço do ser criador que coloca a Escola do Porto numa dimensão atemporal e não espacial.
A ESAP é uma escola com muitos cursos ligados à arte, mas não se pode dizer que seja uma escola artística, porque arte não é coisa que se aprenda ou se ensine em escola. Portanto, a ESAP não faz cinema, o que ela faz, eventualmente, é ilustrar alguma coisa sobre a história do cinema.
É certo que um ou outro realizador que tenha estudado na ESAP possa realizar algum filme, mas, do ponto de vista coletivo, só se fazia “cinema” na ESAP a partir da disciplina “Realização Cinematográfica”, ministrada pelo professor Sério Fernandes. Cinema entre aspas por dois motivos: primeiro porque, conforme esclareci acima, a ESAP não faz cinema; e segundo, porque o cinema de Sério não se enquadra no conceito clássico e comercial desta “sétima arte”.
Há que se redefinir conceitos, portanto, primeiro o conceito de arte, e depois o de arte cinematográfica, para, finalmente, tentar enquadrar a produção de Sério Fernandes, seja ela realizada no âmbito da Escola Superior Artística do Porto – ESAP ou extramuros acadêmicos. E apesar de não ser o meu propósito definir o cinema de Sério Fernandes, é necessário invocá-lo, porque, afinal, foi a partir do espírito estético deste artista que os três filmes foram realizados. É sob uma única lógica que se deve interpretar o cinema de Fernandes: por ser visceralmente dionisíaco, este artista não permite a hipótese dos ideais apolíneos se manifestarem em suas obras.
Um mestre que propõe a transgressão dos valores acadêmicos necessariamente estará preso a tais valores, na medida em que a supressão de alguns valores pela afirmação de outros é pura hipocrisia, mas este não é o caso de Sério Fernandes, para quem esses valores sequer são levados em consideração. O cinema de Sério Fernandes é, pois, um salto nietzschiano para além de racionalidades que pretendem regrar filosófica e tecnicamente esta arte.
Há anos ministrando a disciplina de Realização Cinematográfica na ESAP, Sério Fernandes introduziu entre seus alunos um conceito antropológico de cinema: Magníficos Quadros Artísticos Cinematográficos, cuja função fundamental é a de fazer a síntese de uma arte que em si é síntese de todas as artes, o cinema.
Mas para entender melhor este conceito, é preciso retornar aos primórdios do cinema, quando a câmara fixa captava instantaneamente um episódio representativo de uma realidade, realidade esta que dependendo das circunstâncias, pode ou não ser encenada (A saída das operárias das fábricas Lumière, por exemplo).
A partir deste conceito, rigorosamente, o cinema deve utilizar elementos poéticos da pintura e do teatro, fazendo uma síntese imagética que desobedeça aos padrões estabelecidos pelo mercado, produtores e indústrias. Portanto, há que se andar para trás, segundo as próprias expressões naturalmente usadas pelo criador deste novo conceito de cinema.
Caminhar na direção contrária é não se submeter aos avanços tecnológicos com os quais alguns produtores de imagens - autodenominados e propagandeados como realizadores - estão absolutamente envolvidos. É desobedecer aos padrões, e dar um tempo ao tempo cinematográfico. Não se trata, entretanto, de negar o contributo das transformações ocorridas no cinema, mas há que se denunciar o caráter reacionário e ilusório deste progresso, que produziu uma grande quantidade de cineastas fracos e covardes e que não acreditam na força trágica da humanidade.
Mas não foi contra esses apolíneos da imagem que surgiu o conceito dos Magníficos Quadros Artísticos Cinematográficos, mas para definir bem o caráter da arte e do cinema, colocando as coisas no seu devido lugar. Essa teoria retorna aos primórdios da arte cinematográfica (quando a câmara fixa captava instantaneamente um episódio representativo de uma realidade, que poderia ou não estar a ser encenada). É com esta lógica que se deve interpretar esta teoria, cuja estética é dionisíaca e recusa os ideais apolíneos: o cinema projeta a sua magia criativa entre aqueles que o realizam e para os quais ele é realizado. Esta magia, entretanto, manifesta-se a leste de Hollywood, fora do domínio comercial: criar é também responder à política industrial que domina sonhos, mas não destrói a força de quem resiste.
Sendo os artistas seres humanos que pertencem a todos os tempos, não sendo, pois, de tempo nenhum, eles estão filiados a uma tradição de coragem e de rupturas estéticas, razão porque esta opção estética se contrapõe ao senso comum dos suportes cinematográficos e seus mecanismos tecnológicos, que revelam e escondem narrativas tradicionais burguesas, ou seja, a arte cinematográfica sob esta perspectiva é um trabalho cujo resultado tem um significado histórico numa sociedade de consumo e capital moderno global.
Criar é também responder politicamente a esta indústria que domina os sonhos, mas nunca destruirá a magia de quem tem espírito e força para resistir contra o comodismo tecnológico e o mercado neoliberal. Criar, e transformar, errar e errar, repetir, várias vezes, a mesma ação, ver, rever várias vezes os quadros cinematográficos. E filmar e montar é interferir, cortar e separar quadros cinematográficos, dar-lhes estruturas, unidades, sequenciar cenas, pintá-las no movimento de cada uma delas, sendo este processo um laboratório experimental do poético, um cinema que revela o quadro como uma pintura dentro da qual se sucedem os fenômenos naturais dos elementos que compõem a arte do cinema.
Há que devolver ao cinema o seu estado de magia primitiva, ao seu fecundo sonho, ao seu ritual da caverna, ao habitat dos nossos antepassados dionisíacos, sendo estes os objetivos das práxis cinematográficas de Sério Fernandes, através de filmes realizados coletivamente pela Escola do Porto, da qual ele é o criador.
Esta TMQAC dialoga com as vanguardas do cinema, para as quais a arte vive um tempo em que não afirma mais nada. E o artista, ao negar-se a afirmar, apenas afirma o que de fato está a negar.
A arte que mora no mito reflete o antagonismo de forças que lutam entre si para se manifestar através de seus objectos, através de forças trágicas cuja estética remete ao Cinema Novo, de Glauber Rocha, que devolveu o sentimento trágico à arte cinematográfica, através da comunhão entre poesia e cinema, sendo o cinema a manifestação do espírito artístico universal.
Este Cinema pode ser definido com os verbos sonhar, escrever, realizar, montar. É arte, poesia, teatro, tragédia e coro. É olhar, mistura de sensações, transgressão de pressupostos, travessia épica. Cinema que não se conjuga, desagua. Não se escreve com palavra, escreve-se com poesia. Só pode ser poético se filosófico. Só pode ser escrito depois de sonhado. Sua gênese é destruição do sonho. E a sua realização é a morte da destruição do cinema sem forma que não comunica nem pode ser pensado ou pronunciado, apenas sentido no seu tempo artístico.
Carpinteiro de Poesia FRANCISCO WEYL
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