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Crítica de Bernardo Pinto de Almeida às Autoindagações (imagéticas) de natureza lógico-metafísicas de um artista-criador em devir artista-pesquisador


Francisco Weyl escreveu um texto que tem uma dimensão poética acentuada, uma escrita de forma autónoma, com uma forma de construção e de comunicação situada entre a linhagem poética e a linhagem teórica, evidenciando que estas  são da mesma fonte.
Ainda que talvez uma nasça mais no inverno, e a outra no verão, mas que jorram da mesma fonte. O que não quer dizer que a historia e a ciência não possam beber dessa
mesma fonte.
A poesia e a teoria são formas contiguas desde o princípio, desde os pré-socráticos, quando percebemos imediatamente nos respectivos fragmentos que a forma deles é poética, e que mesmo que seja pré-filosófica, é teórica.
Ou seja, que já procura ascender ao plano da reflexão, em caráter universal, como desejo de estabelecer uma comunicação muito fina com o leitor.
E no, entanto, não tem ainda aquela forma filosófica que terá mais tarde, com Platão, e Aristóteles.
E isso não quer dizer que o texto do Francisco Weyl não seja filosófico.
Quer dizer é que é fundamentalmente teórico e poético, sendo um longo discurso sobre a questão da criação, a forma que a criação toma na sua complexidade, e, sobretudo, num ponto que me interessa a mim sobretudo, que é a questão da imagem.
Onde o Francisco Weyl interroga o estatuto da imagem, na poesia, no cinema, na fotografia, na pintura, ou seja, se interroga sobre o modo como a imagem opera.
E ele coloca esta questão de forma criativa, uma vez que é um escritor, que tem uma pratica de escrita muito grande, é um homem que tem uma relação muito profunda com
escrita, é claramente, um homem que tem o habito da escrita.
E a experiência de escrever, uma escrita extremamente fluída, e clara, mesmo quando se refere coisas mais obscuras, ele constrói a frase, e fala imediatamente com o leitor. Sendo, portanto, um texto sobre a criação, é um texto escrito do lado da criação, e não de fora, é escrito por um criador, a partir da própria criação.
Parece-me um grande texto que traz reflexões muito interessantes, que devem ser lidas por quem atua com a escrita, a instalação, a fotografia, o cinema, porque são feitas por alguém que pensa e reflete sobre estas questões, e que surgem com o regime da definição poética, em torno da criação, onde a questão da imagem é seminal.
Não é a imagem do cinema, em si, é a questão da questão da imagem como entidade, a imagem como ser, como qualquer coisa que tem uma dimensão própria, que não se reduz a uma linguagem, mas que habita de certa maneira em relação dialética com a linguagem, que não diz da imagem, mas que tateia, e aproxima da imagem, para usar uma metáfora.
A relação da linguagem com a imagem há de ser parecida com a relação que o Pero Vaz de Caminha teve quando escreveu a sua Carta, que é uma obra-prima do Renascimento, considerado o primeiro documento da literatura brasileira, ainda que escrito por um não-brasileiro.
Neste encontro mítico, ele olha para o índio, e sem compreender a sua
linguagem, transporta o seu imaginário para a escrita no plano das imagens, portanto, esta relação entre linguagem e imagem, ocorre sempre no interior desta ordem.
Ou seja, cada vez que surge uma nova imagem, ela requer uma nova linguagem para lhe dar forma, portanto, o texto do Francisco Weyl também tem um caráter antropológico, que se reporta ao mito, e é através do mito que a nossa cultura permanece.
É um texto que deveria ser publicado, que deveria ser lido fora do contexto de um seminário acadêmico, onde ele poderia alcançar uma dimensão mais ampla, é um texto muito rico, e que nos coloca na condição de aprender, que dialoga conosco de infinitas formas, poéticas.

Porto, 24 de Janeiro de 2019

Bernardo Pinto de Almeida







NOTA DO EDITOR: O poeta e ensaísta Bernardo Pinto de Almeida, autor de “ Arte e Infinitude” (Fundação de Serralves e Editora Relógios d’Água, Poerto, 2019), e de “ Imagem da Fotografia” (Assírio & Alvim, Lisboa, 1995), entre outras obras, leu e comentou o texto “Autoindagações (imagéticas) de natureza lógico-metafísicas de um artista-criador em devir artista-pesquisador”, escrito por Francisco Weyl, no âmbito do Doutoramento em Artes Plásticas, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto, onde Bernardo é Catedrático de Teoria e História da Arte.
O comentário crítico foi feito em sala de aula, tendo o referido professor autorizado a sua divulgação por Francisco Weyl, que ora desenvolve a pesquisa "Memórias da Resistência: Estéticas de Guerrilha no Cinema de Rua, em comunidades periféricas, tradicionais, quilombolas e indígenas da Amazônia Paraense", a partir de sua práxis como realizador, poeta e artivista.

Bernardo Pinto de Alemida
N. 1954. Poeta e ensaísta.
Prémio AICA/Fundação Gulbenkian de Crítica de Arte (1983).
Catedrático de Teoria e História da Arte, na Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.
Organizou a colecção de arte portuguesa contemporânea do MEIAC — Museo Extremeño e Iberoamericano de Arte Contemporáneo (Badajoz/Espanha), integrou a Comissão de Compras da Fundação de Serralves (1990-1996), onde organizou diversas exposições. Entre 1997 e 2001, foi Director Artístico da Fundação Cupertino de Miranda, onde fundou o Centro de Estudos do Surrealismo e organizou diversas exposições. Membro do Conselho de Administração da Fundação Berardo em representação do Estado (2005-2009).
Como comissário independente, organizou mais de uma centena de exposições em museus e instituições em Portugal e Espanha.
Prefaciou mais de cinco centenas de catálogos em Portugal e no estrangeiro.
Dirigiu a colecção "Caminhos da Arte Portuguesa no Século XX” (40 volumes publicados) na Editorial Caminho. Colaborou nas revistas Lápiz, Arte y Parte (Espanha), Artforum e Contemporanea (EUA).

Principais obras publicadas:
Poesia
. A Noite, Relógio D’Água, Lisboa, 2006.
. Negócios em Ítaca, Relógio D’Água, Lisboa, 2011.
. A Ciência das Sombras, Relógio D’Água, Lisboa, 2018.
Ensaio
. Arte e Infinitude, Fundação de Serralves e Editora Relógios d’Água, Poerto, 2019
. Imagem da Fotografia, Assírio & Alvim, Lisboa, 1995. Ed. italiana Immagine della Fotografia, Jouvence, Roma, 2006. 2.ª ed. Relógio D’Água (prefácio de Antonio Tabucchi), Lisboa, 2014.
. O Plano de Imagem, Assírio & Alvim, Lisboa, 1996.
. As Imagens e as Coisas, Campo das Letras, Porto, 2002.
. Quatro Movimentos da Pele, Campo das Letras, Porto, 2004.
. Força de Imagem — O Surrealismo, Campo das Letras, Porto, 2007.
. Arte Portuguesa no Século XX — Uma História Crítica, Coral Books, Matosinhos, 2016.


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