Quando nós somos estrangeiros, passageiros, e atravessamos estes cenários, que nós nunca vemos, ou ainda que por quaisquer motivos já por ele tivéssemos passado, e o tivéssemos visto, mas não sentido da maneira que (agora) me coloco para vê-lo.
Quando nós não somos do lugar, nós tendemos a gostar mais do lugar, exatamente porque o nosso estrangeirismo faz com que a gente veja as coisas do lugar, de outra maneira, ainda que este lugar nos cause alguma repulsa, por quaisquer motivos, nós conseguimos ver muito mais o lugar do que aquelas pessoas que já estão entranhadas neste lugar, e que por quaisquer motivos também possam ter quaisquer repulsas com este mesmo lugar, ou até mesmo com elas próprias, nas condições em que elas estão nestes lugares.Porque é preciso também estar aberto para ver.
Não basta que os nossos olhos, as nossas pálpebras, as nossas íris, e todo o fenômeno que envolve a percepção da nossa visão, os impulsos cerebrais, externos e internos, e que movimentam o nosso sistema óptico, estejam absolutamente em sua plena atividade, e em sua função, mecânica.
Porque não é um ato meramente mecânico, o olhar, o ver.
O ato do olhar é um ato que pertence mais ao sensível do que ao racional, propriamente dito.
É muito mais intuitivo do que meramente mecânico.
A gente vê, com os olhos de ver, olhamos, com os olhos de olhar, o que temos de olhar, o que temos para ver, mas, muitas vezes, não conseguimos enxergar aquilo que estamos vendo, as coisas para as quais estamos olhando, da maneira que nós as vemos, porque, muitas vezes, é consequência de um processo mecânico, que está determinado por uma relação mecânica do pensamento com o cérebro, e o sistema físico da percepção.
E preciso, portanto, se abrir a um modo de ver as coisas, que está mais dentro de nós do que nas próprias coisas.
Abrir os olhos é abrir as mentes, abrir o coração, e se abrir para a natureza, abrir a nossa própria natureza para que ela se relacione com a natureza que nos recebe, com a natureza que nos brinda com a sua presença, a natureza que se manifesta em cada uma das coisas, nas pequenas coisas, nos detalhes das coisas que a gente inadvertidamente não consegue ver.
Olhar desta forma é um olhar mais humano, um olhar mais artístico, é um olhar mais cosmológico, porque tem uma dimensão de eternidade ao mesmo tempo que tem de efêmero, e este efêmero é o que nos faz compreender a própria eternidade, na medida em que estes elementos, pixels, por assim dizer, eles compõem essa grande imagem que é o universo, e essa mínima fração - que possa vir a ser captada por uma visão -, é determinante de todo este cenário, de toda esta paisagem.
E se nós formos capazes de ampliar esta dimensão universal, para que a gente possa ver a sua menor partícula e a sua importância na composição deste cenário, é quando a gente vai, assim, lá dentro da gente, dentro de nossa alma, dentro de nosso fundo, do fundo mais fundo de nós, para ver a profundeza, a profundidade dessa paisagem, e o que tem de universal naquela menor imagem, naquela menor partícula, que está ali pulsando, latejando, mas também invisível para a mecânica de nosso olhar.
Deus nos deu a vida física, biológica, mecânica, mas Deus também nos abençoou com este desafio que é a sensibilidade, que é o olhar às coisas além delas mesmas, e ao olhar as coisas além delas mesmas, nós também olhamos a partir de dentro de nós, além deste dentro de nós, por dentro de nós, atravessados pelas coisas, pelas mesmas coisas que estão dentro delas próprias, atravessados pelos dentros das coisas que nos fazem ser exatamente iguais a cada uma destas coisas.
E é quando nós percebemos este dentro, que entramos em conexão com este universal, que nos é essencial, que está além e aquém de nós porque ele independe de nossa visão, ou de nossa capacidade de percepção.
É preciso, portanto, ter uma conexão absoluta com o universo, para senti-lo dentro de nós, e, então o podermos ver como ele é.
© Carpinteiro
Mirandela, 19/12/2018
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