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CRÔNICAS BRAGANTINAS: Maldito Carpinteiro

  

Bragança é uma cidade pequena, todo mundo se conhece. Praticamente, vizinho, até se mete na vida alheia. Sabe o que faz, com quem anda. Se mulher trai marido, se marido trai mulher, e com quem trai. Se homem gosta de homem, ou se mulher gosta, ou não, de homem e/ou de mulher. Sabe onde trabalha, se trabalha, se tem, ou não tem, dinheiro, e se paga, ou não, as dívidas.

Se não sabe, a cidade inventa de tudo, sobre todos. Cada dia, uma novidade, sobre ciclano, sobre beltrano, sobre deocleciano. Tem muita fofoca. E olha, que nem sou fofoqueiro. Quando eu lá habitava, não me interessava pela vida das pessoas. Concentrava-me no meu trabalho de jornalista. E nas tarefas da casa, almoço, jantar, café. Mas, mesmo assim, e talvez por isso mesmo, chegavam-me fofocas, e ainda agora, mesmo em Portugal, penso que sei mais sobre Bragança do que muito bragantino.

De minha parte, quanto mais falarem, melhor. Trabalho com rádio cipó, preciso reverberar. Nas redes e nas ruas. Metade de Bragança já ouviu falar do Carpinteiro. E a outra  metade que nunca ouviu falar, com certeza que sabe que o carpinteiro é. Dizem que ele é do PT, que é comunista, que é vendido. E eu, eu fico só de bubuia. Não, que isso não me incomode.  Mas sou um defensor dos direitos humanos. Defendo a livre manifestação do pensamento, ainda que farsante e fascista. Defendo a imprensa livre e a liberdade de expressão. Além dos direitos fundamentais da pessoa humana. E professo minha solidariedade a luta das mulheres, dos negros, das comunidades tracionais, dos povos indígenas, e das comunidades Trans, e LGBTs.

Eu me identifico com as lutas sociais. Sou anarquista, mas não sob a perspectiva teórica. Apenas da boca para fora. Porque, por exemplo, defendo o Voto como arma contra a corrupção. Ainda acredito nas Instituições públicas, ainda que muitos de seus gestores tenham me provocado a sensação de que não mais devo crer nelas. Nem neles. Então, eu não me incomodo. Podem falar, fiquem à vontade. Até porque tenho a minha consciência limpa, filho de quem eu sou, os pais que eu tive, e a moral sob a qual me educaram.

Incomodo-me, sim, mas não respondo, porque, nem vale a pena. Tenho mais o que fazer, focar na cena que eu escolhi. Jornalismo sincero e opinativo. Investigativo. E inteligente. Ético. E estético. Escrito pro quem sabe escrever. Por quem não tem medo de escrever. Tô de boa com o mundo. Em paz com esta coerência de quem acredita na democracia. Tenho compromisso com as causas de seu tempo.

Francisco Weyl

Porto, 21 de Agosto de 2020

Ouça a CRÔNICA


Este texto constitui a sétima sessão do Microprojeto CRÔNICAS BRAGANTINAS, pela via da qual publico narrativas escritas e memorialísticas autorais neste espaço, além de audionarrações que podem ser ouvidas neste Blog ou no Canal do Carpinteiro no Youtube.

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