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Mostrando postagens de 2025

Carimbó é livre, não tem decreto, não mora em cartório, nem serve a projeto.

  Acorda o tambor na beira do rio, em dia de sol, em noite de frio. Vai juntando gente no sol ardente, não pede licença a dança é diferente. Bandeira sem mastro, sem corda nem fio, é canto da roça, é rumo do cio. De raiz de madeira, de água e de vento, o tambor resiste corpo em movimento. No canto do arado, no barro forjado, nas vozes antigas de rotas banidas, das diversas etnias, dos becos que narro. Um canto de fogo, outro de pássaro, um jogo arriscado no campo queimado. E quando a roda chega na cidade, ela se veste de verdades. No palanque cerimonioso, com medalhas e diplomas, a cultura é portentosa, mas as mestras, as donas, ficam de fora. Carimbó é livre, não tem decreto, não mora em cartório, nem serve a projeto. É fora da lei, escapa do selo, é riso, protesto, é corpo desvelo. E se a política tenta se apossar, o batuque responde: ninguém vai calar. O curimbó pulsa, faz sua denúncia, na palma da mão, no batuque da praça....

Carimbó do Palanque

  Bate o tambor, curimbó ressoou, na beira do rio a cidade escutou, mas lá no palanque, doutor discursou, carimbó virou selo, decreto, logô. Refrão: Ê carimbó, quem foi que te viu, nas mãos do poder tu quase sumiu, mas o batuque insiste e resistiu, do campo à cidade, da rua ao Brasil. O povo dançando, suor no terreiro, a roda é da mata, do chão verdadeiro, mas vem deputado, sorriso ligeiro, promete cultura, mas vende primeiro. No ar condicionado do grande salão, tocaram carimbó sem poeira no chão, gritaram "patrimônio" com microfonação, mas esqueceram a mestra lá no barracão. Ê carimbó, tambor de raiz, não é propaganda, não é verniz, dança na praça, protesta feliz, quem faz a cultura é quem sempre diz. Refrão: Ê carimbó, quem foi que te viu, nas mãos do poder tu quase sumiu, mas o batuque insiste e resistiu, do campo à cidade, da rua ao Brasil. O povo dançando, suor no terreiro, a roda é da mata, do chão verdadeiro, mas vem deputado, sorr...

Homenagem a José Ribamar Gomes de Oliveira

A Academia de Letras do Brasil - seccional Bragança do Pará, reune-se no Salão Beneditino, na noite de 20 de Setembro de 2025, para reverenciar a memória do Mestre José Ribamar Gomes Oliveira, fundador deste Silogeu. Reunimo-nos sob a luz da saudade, porque nos deixou o professor, poeta e memorialista José Ribamar Gomes de Oliveira. Sua ausência é ferida recente, mas sua vida é herança imensa. Não cabe apenas a tristeza neste momento, porque sua trajetória não se resume ao silêncio da partida: ela transborda em memória, em palavras, em instituições, em livros que se tornaram alicerces de Bragança. Nascido às margens do Rio Caeté, no bairro do Cereja, no dia 11 de outubro de 1950, Ribamar trouxe em seu sangue a força do povo bragantino. Filho de Mara Teixeira Gomes e Edgar Pereira de Oliveira, cresceu em família numerosa, onde aprendeu desde cedo o valor do trabalho, da fé e do coletivo. Ao lado de Maria Inês Ribeiro de Oliveira, sua companheira de vida, construiu também a família que f...

Primavera FICCA: oficinas transformam territórios em escolas de cinema

O Festival Internacional de Cinema do Caeté (FICCA) , que completa dez anos em 2025, reafirma em sua itinerância a vocação que o diferencia de outros festivais de cinema no Brasil e no mundo: ser um espaço de formação coletiva e crítica , onde oficinas e atividades educativas têm tanto peso quanto as exibições audiovisuais. De 17 a 21 de setembro , a programação do FICCA ocupa comunidades quilombolas, associações de agricultores e grupos culturais da região do Atlântico Paraense , em municípios como Quatipuru, Primavera . Cada parada transforma o território em laboratório, no qual cinema e educação popular se misturam em rodas de conversa, dinâmicas criativas e experiências sensoriais. Oficinas despertam consciência coletiva As atividades formativas se estruturam a partir de práticas simples, mas de grande impacto. São propostas como a caminhada sonora , que transforma os sons do território em trilhas; o roteiro corporal , no qual gestos e memórias viram imagens; a gambiarra cria...

O FICCA como escultura do possível

  A crítica de cinema, que deveria ser espaço de reflexão e confronto, tornou-se extensão publicitária da indústria. As páginas culturais repetem press releases, celebram estreias globais, reverenciam premiações. O que deveria ser pensamento virou entretenimento; o que deveria tensionar virou ornamento. A crítica, cúmplice do mercado, se ocupa em reforçar o espetáculo colonial. Nesse cenário, o silêncio não é inocente. É estratégia. Ao não falar do que emerge das margens, a crítica mantém a centralidade do mesmo: o cinema de grandes plataformas, a estética homologada, o fluxo de imagens domesticadas. O que não aparece, não existe. Essa lógica da invisibilização é o braço cultural da colonialidade. É contra esse silenciamento que o Festival Internacional de Cinema do Caeté (FICCA) ergue-se há uma década. Criado por Francisco Weyl, o Carpinteiro de Poesia, o festival FICCA é um ato de resistência. Ele não busca legitimação no mercado, nem chancela da academia. Sua força está justamen...

Pedagogia do Caminho: cinema comunitário e a boneca ancestral

A estrada de Belém a Bragança se prolongava como se quisesse prolongar o tempo. Cada quilômetro se desenrolava entre matas densas e rios que se entrelaçavam como veias da terra, levando o olhar a vagar por águas barrentas e verdes que refletiam o céu em fragmentos de azul quebrado. O vento trazia odores de peixe fresco, folhas molhadas e maré, e nos ouvidos, um coro invisível de aves, sapos e insetos. Nega Benedita, sentada ao centro do carro, parecia escutar e absorver tudo, transformando cada movimento da natureza em presença viva, cada som em memória ancestral. Não era apenas viagem, era prática poética, antropológica e pedagógica: cada instante reverberava com o estudo de campo que costumo registrar em minhas pesquisas sobre cinema comunitário na Amazônia, onde o território, a cultura e a memória se tornam atores do próprio filme da vida. Mas antes da estrada, da poeira, do vento e do carro que transportava algo mais que madeira e pano, é preciso voltar à origem de Benedita, ao ins...

Cordel do Blues da Marambaia Ou A tragédia do Buscapé Blues - Por Carpinteiro de Poesia

PÁRODO Eu sou Francisco Weyl, Carpinteiro de Poesia Filho de Exu, marqueteiro dos Orixás É pela encruzilhada que conecto As forças da natureza sagrada Sou nômade, itinerante, estrangeiro Faço da palavra meu cavalo Do silêncio, meu tambor Do erro, meu acerto Trago o riso debochado dos profetas A ginga das ruas A sabedoria dos Erês E a ironia que corta como navalha Não escrevo para os palácios Nem para as academias de sombras Escrevo para a Marambaia Para o beco, a praça, o gueto Onde a poesia ainda sangra Mas não se ajoelha Eu sou aquele que planta metáforas Como quem semeia milho No quintal dos Orixás O que colhe sonhos No terreiro dos esquecidos E digo que a poesia é feitiço É macumba de palavra É tambor que chama os vivos E desassossega os mortos E no meio desse batuque, encontro Buscapé Blues: menino-sol da Marambaia, profeta de esquina, rindo do mundo, astro-rei que dança sem coroa. Ele mistura brega e funk, samba, reggae, soul e blues, faz da guitarra um cajado, da calçada um alta...