Eu sou Francisco Weyl, Carpinteiro de Poesia
Filho de Exu, marqueteiro dos Orixás
É pela encruzilhada que conecto
As forças da natureza sagrada
Sou nômade, itinerante, estrangeiro
Faço da palavra meu cavalo
Do silêncio, meu tambor
Do erro, meu acerto
Trago o riso debochado dos profetas
A ginga das ruas
A sabedoria dos Erês
E a ironia que corta como navalha
Não escrevo para os palácios
Nem para as academias de sombras
Escrevo para a Marambaia
Para o beco, a praça, o gueto
Onde a poesia ainda sangra
Mas não se ajoelha
Eu sou aquele que planta metáforas
Como quem semeia milho
No quintal dos Orixás
O que colhe sonhos
No terreiro dos esquecidos
E digo que a poesia é feitiço
É macumba de palavra
É tambor que chama os vivos
E desassossega os mortos
E no meio desse batuque,
encontro Buscapé Blues:
menino-sol da Marambaia,
profeta de esquina, rindo do mundo,
astro-rei que dança sem coroa.
Ele mistura brega e funk,
samba, reggae, soul e blues,
faz da guitarra um cajado,
da calçada um altar,
do riso malandro, oração.
Suas canções são crônicas,
são faíscas, são ferro e chuva,
humor de profeta que sabe
que a dor também se diverte.
É rebelde com ternura,
é herói que tropeça,
é menino e mito ao mesmo tempo.
O mundo quer calar sua voz?
Exu gargalha, e a rua responde.
Rádio, gravadora, indústria
só empurram o engarrafado,
mas Buscapé explode na esquina,
faz do lixo música,
do chão sagrado festa.
Eu sigo com ele, irmão de riso,
na encruzilhada da poesia,
martelo palavras, acendo versos,
ecoando tambor e riso
nos becos, praças e guetos
onde a Marambaia respira.
Buscapé é o vento que não se prende,
eu sou a lâmina que risca o céu,
juntos somos ginga, fogo e palavra,
samba, blues e feitiço,
riso que desassossega,
poesia que não se ajoelha.
EXTÁSIMO
Eu venho lá da Marambaia,
da lama, da beira e da rua,
onde a poesia é centelha,
e a guitarra reluz nua.
Buscapé risca a cidade,
com riso, raiva e verdade,
e a estrela canta na lua.
Cantor de esquina perdida,
profeta de boca torta,
que abre ferida e cicatriza,
com verso que nunca aborta.
Se o rico cala no banquete,
o pobre canta sem bilhete,
na calçada que não tem porta.
Dizem que ele foi vendido,
que tocou pra “gente errada”,
como se o palco tivesse dono,
como se a rua fosse comprada.
Mas os mesmos que patrulham,
com dedo em riste e que bufam,
são os que se vendem na calada.
Hipócrita que critica artista,
mas bajula o coronel,
senta na mesa do banqueiro,
engole a mentira no mel.
Enquanto isso a Marambaia,
ergue sua voz que desmaia,
no batuque do cordel.
Buscapé não é santo nem papa,
é trovador de viela,
mistura Raul e terreiro,
faz da guitarra uma vela.
Acende blues no barraco,
vira bicho, vira macaco,
vira fuzil feito aquarela.
“Pare de fumar maconha
na avenida Dalva!”, ele diz,
mas na ironia da frase,
há crítica que não se desfaz.
É deboche contra o sistema,
é sorriso contra o problema,
é poesia que nunca tem paz.
Querem calar o palhaço,
o louco, o bicho da lama,
mas quem patrulha o poeta,
é porque tem medo da chama.
O riso é bala certeira,
o verso é faca ligeira,
o som é fogo que inflama.
Então deixa o Buscapé tocar,
deixa a Marambaia brilhar,
porque quem cala pros ricos
não vai me ensinar a cantar.
Que o povo sabe quem mente,
quem vende alma e patente,
quem se ajoelha pra mandar.
Eu sou poeta da beira,
irmão de Buscapé Blues,
canto contra os inquisidores,
esses falsos guardiões da luz.
Pois se a arte é travessia,
não cabe em santa vigia,
ela nasce onde há cruz.
E na esquina vai ter festa,
mesmo com dedo apontado,
pois o riso é nossa arma,
nosso deboche é sagrado.
E se a patrulha vigia,
a gente responde com poesia:
“Blues da lama, eternizado”.
EPÍLOGO
Na Marambaia eu nasci,
feito faísca na garoa,
sou Buscapé, riso torto,
queimando o medo à toa.
Na lama fiz meu terreiro,
na rua arrumei dinheiro,
com poesia sem coroa.
Fui menino sem brinquedo,
sem mãe que pudesse abraçar,
me botaram noutro colo,
que só quis me explorar.
Corri pras ruas sem dono,
e nelas fiz meu trono,
aprendi a improvisar.
Toquei no Se Rasgum no Rock,
lá no Biruta, em Belém,
mostrei que o blues da Marambaia
é raiz que ninguém tem.
No Sesc, na Black Soul Samba,
quem ouviu nunca se engana:
sou profeta, sou ninguém.
Já cantei no Macapá,
com a banda Tio Zé na praça,
já bebi cerveja amazônica,
já vi a lua na cachaça.
No Balanço do Rock me ouviram,
na praça Batista me viram,
e ainda teve quem me abraça.
Mas também teve patrulha,
dedo em riste e careta,
porque fui tocar num palco
de gente “errada” na treta.
Querem polir a poesia,
mas não calam a ironia
de quem sangra e faz sarjeta.
Eu não sou santo de altar,
nem apóstolo da moral,
sou mistura de Raul,
terreiro e som marginal.
Minha guitarra é vela acesa,
meu blues é pura tristeza,
riso, fogo e carnaval.
Quem me aponta, se vende,
na calada, sem se mostrar,
lambe o prato do banqueiro,
reza junto ao coronel do lugar.
Eu não, eu sigo na beira,
sou da lama, sou trincheira,
meu cordel é pra rimar.
Na Marambaia eu sou mito,
mas mito de rua quebrada,
que fuma, ri, debocha,
e canta piada safada.
Sou Peter Pan atrasado,
sou erê desavisado,
sou Exu de encruzilhada.
E se quiserem me calar,
lembrem do fogo da esquina:
o riso é bala certeira,
o verso é navalha fina.
Quem fecha o ouvido ao pobre,
abre a porta pro mais nobre,
mas nunca mata a rotina.
Pois se um dia fui vendido,
foi na feira da ilusão,
mas comprei de volta a rua
com guitarra e com canção.
E a Marambaia me empresta,
a alma da sua festa,
pra dançar com multidão.
Deixa o Buscapé tocar,
deixa a Marambaia brilhar,
pois quem cala pros poderosos
não me ensina a cantar.
Eu sou blues, sou lama e riso,
sou o diabo e sou o paraíso,
sou menino a improvisar.
E no fim dessa conversa,
quem quiser pode apontar:
a patrulha é sempre fraca,
o deboche vai ganhar.
Porque a arte não se ajoelha,
nem na lama, nem na telha,
ela é fogo pra soprar.
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