Na tarde de sábado (1.11), em Belém, a Marambaia — bairro urbano consolidado, de classe média, com raízes comunitárias e memória de luta — sai às ruas com o seu Cortejo Climático — e com algo mais raro que figurino, microfone e poesia: um método.
Não começou agora
O cortejo é episódio de uma história que vem sendo escrita há pelo menos dois anos — e protagonizada longe do centro, desde 2023, quando a Marambaia fundava o seu Fórum Permanente de Políticas Públicas Periféricas .
A vulnerabilidade admitida, a autonomia exigida
Bairro urbano, é classe média, tem asfalto e padaria, mas também tem enchente, calor extremo, remendo urbano e desigualdade de acesso.
No documento base da Carta Climática — ainda em construção — a formulação é direta:
“A crise climática não é futura. É presente nas ruas, casas e corpos.”
A ideia, repetida em reuniões, não busca piedade. Busca lugar de fala política:
Se a COP vem, a pergunta na Marambaia virou provocação:
“Quem fala por quem?
Arte não como enfeite — como ferramenta de governo
O cortejo não é desfile.É processo político performativo — e isso foi dito em todas as assembleias.
Tem teatro, tem rima, tem boi, tem cordel.Não por nostalgia, mas por estratégia: linguagem comunitária é método de mobilização.
Quando o Cordel do Urubu abre o cortejo com crianças, não é “lúdico” — é pedagógico.Quando o Boi Vagalume caminha, não é folclore — é arquivo vivo de auto-organização popular que antecede qualquer edital cultural .
Quando o FICCA - festival internacional de cinema do caeté chama o cineclube na casa do poeta Caeté, quando a Biblioteca Bomboler trabalha a leitura lúdica e o grupo de Teatro GEMTE faz a cena na rua, a cidade reaprende a respirar.
Belém costuma consumir cultura como espetáculo.Na Marambaia, cultura continua sendo infraestrutura emocional, política e de sobrevivência.
A Carta que nasce antes da reunião
A Carta Climática que está sendo escrita com memória e afeto — tem princípios como :
justiça ambiental como reparação
participação como regra, não concessão
água e saneamento como base climática
cultura como política adaptativa
economia solidária como política pública
Não é retórica.É programa de governo do bairro para a cidade.
E, se governos ignorarem, o bairro registrou, publicou e marchou.
Nunca foi recado mais claro.
A COP, o bairro e a cidade
A pergunta que ecoa nas rodas é simples:
“Se a COP passa sem olhar para nós, passou por Belém?”
Nenhum morador aqui romantiza termômetro.Eles sabem que a temperatura não sobe igual para todos.E que a transição climática pode virar apenas mais um capítulo da história da desigualdade brasileira — se quem vive a cidade não escrever a pauta.
O cortejo, então, não é anúncio — é aviso.
Acontecerá com ou sem plateia
No sábado, dia primeiro de novembro, haverá tambor, microfone, bandeira, sorriso e seriedade.Mas, principalmente, haverá coerência.
Porque a Marambaia decidiu ser o que a cidade inteira deveria ser em tempos climáticos:informada, organizada, culturalmente viva, institucionalmente adulta e politicamente inquieta.
Se o mundo vier, verá.Se não vier, foi avisado.
CONFIRA NOSSA PROGRAMAÇÃO E A NOSSA PROPOSTA DE CARTA
Serviço
Cortejo Climático da Marambaia — “Nossa terra: corpo, memória, existência”📅 1º de novembro | ⏰ 16h - 📍 Quadra B – Gleba 1
Realização
Fórum Permanente de Políticas Públicas Periféricas — Marambaia COP30com coletivos, escolas, artistas e moradores
Programação --------------------
16h – ACOLHIMENTO
Falas esclarecedoras e de agradecimento do Fórum Permanente de Políticas Públicas Periféricas Marambaia COP30
16h15 – Apresentação Grupo de Teatro GEMTE
Histórias de beira de rio: contos e lendas para esperar a maré encher
16H30 - CORTEJO CLIMÁTICO DAS CRIANÇAS
Biblioteca BombomLER – Cordel do Urubu
17H - SAÍDA DO CORTEJO CLIMÁTICO DA MARAMBAIA
TRAJETO - quadra b - Rua WE2 - Travessa SN6 - Rua da Marinha - Travessa WE4 - quadra b
17H15
1ª ESTAÇÃO - CASA DO POETA CAETÉ
“Romaria da Nossa Senhora do Igarapé - o choro dos rios”
- Performance da ativista Naraguassu
17H30
2ª ESTAÇÃO - RUA DA MARINHA
Batalha de rima curta com o tema "Desmatamento da Mata da Marinha"
- MC Djay - Batalha do Cam - projeto do EcoFlow
17H50
3ª ESTAÇÃO - ASSOCIAÇÃO AMIGOS DO DOMINÓ (RUA SN3)
Performance vocal LGBTQIAP+
-Agarby e Laiana do Socorro
18H10 - DISPERSÃO, quadra B
Falas esclarecedoras e de agradecimento do Fórum Permanente de Políticas Públicas Periféricas Marambaia COP30
Apresentação do CORDEL DO URUBU e convidados: Vagalume da Marambaia, Jotabê, Paulo Guimarães, Mateus Moura, Cuité Marambaia, Rabo do Boi
PRESENÇAS NO CORTEJO DOS PROJETOS CULTURAIS COMUNITÁRIOS
Boizinho Borba + Boizinho Fabuloso + Boizinho Pretinho da Marambaia + Boi Vagalume da Marambaia + Cordel do Urubu + MC Djay Batalha do Cam + -Agarby e Laiana do Socorro
+ Convidados e quem se chegar pra somar e colaborar na luta
REALIZAÇÃO: Fórum Permanente de Políticas Públicas Periféricas Marambaia Cop30
+ COLETIVOS PARTICIPANTES DO CORTEJO CLIMÁTICO [01.11.2025]
MANIFESTO CLIMÁTICO DA MARAMBAIA - EM CONSTRUÇÃO [2025]
A crise climática agrava disparidades e invisibiliza territórios periféricos como a Marambaia. Sem políticas específicas, a comunidade sofre com alagamentos, doenças e precariedades.
Sabemos que justiça climática exige reparações históricas e práticas participativas. Na Marambaia, acreditamos no bem viver, no cuidado com o território e na potência coletiva. Seguimos firmes, com esperança, memória e ancestralidade.
Convocamos moradores, coletivos, escolas, associações e poder público a fortalecer este movimento pela construção da Carta Climática, participar da mobilização e garantir que as vozes da Marambaia sejam respeitadas na COP30.
Nossa Carta Climática busca incluir nossas vozes em decisões da COP30 e cobrar políticas reparadoras. É um documento político‑técnico produzido coletivamente, com as demandas climáticas específicas do território, sendo instrumento de articulação com governos e instituições, para reivindicar políticas públicas, integrar saberes populares/ancestrais e estabelecer parâmetros de atuação e monitoramento social.
Linha do Tempo da Organização Social da Marambaia
Ano/ Período | Marcos Importantes | Ideias / Valores Emergentes |
1960/ 1970 | Formação de comunidades periféricas com migração, falta de infraestrutura básica, ocupações informais; infância/adolescência marcada por ausência de serviços públicos; memória oral e cultural dos moradores. | Resistência, memória, sobrevivência; cultura popular resistente; ancestralidade; autoajuda comunitária. |
1970/ 1980 | Construção de conjuntos habitacionais, reocupações. | Impactos comunitarismos com realocação de habitantes; cuidado com território e meio ambiente. |
1980/ 1990 | Organizações dos movimentos comunitários e culturais (CCT / Troupe The 4 PRACENA / Galrar / Vagalume). | Organização coletiva, articulação de base, assembleias e grupos de trabalho. |
2010 | Surgimento do Boi Vagalume da Marambaia, toadas que expressam crítica e esperança, mobilização cultural local. | Cultura como denúncia, cuidado com símbolos locais, revitalização cultural, protagonismo artístico. |
2023 | II Feira do Livro Artesanal da Amazônia → fundação do Fórum Permanente de Políticas Públicas Periféricas Marambaia COP30. Mobilização para demandas sociais numa perspectiva climática/periférica. | Voz local; escuta; protagonismo; articulação política. |
2023/ 2024 | Oficinas, GTs, saraus, debates culturais; ações de base envolvendo escolas, associações, coletivos culturais, religiosos; iniciativas de educação política e de resistência. | Interseccionalidade; interculturalidade; política de reconhecimento; comunitarismo; cuidado com território e meio ambiente; justiça social. |
2025 | Preparativos para a COP30 ‒ Marambaia constrói protagonismo periférico rumo à COP30, com debate “Terra em Alerta, Corpos em Pé: Caminhos de Resistência até a COP30”. Construção da Carta Climática da Marambaia. | Assertividade política; autonomia; exigência de escuta real; ligação entre cultura, ambiente, justiça; defesa de direitos; reivindicação de participação. |
Carta Climática da Marambaia – EM CONSTRUÇÃO
Princípios Orientadores
Interseccionalidade — reconhecer vulnerabilidades específicas e garantir soluções inclusivas.
Interculturalidade e ancestralidade — valorizar saberes tradicionais e cuidar dos ecossistemas locais.
Cuidado, bem viver e território — defender o território como espaço de identidade e dignidade.
Autonomia, protagonismo e participação popular — decisões sobre a Marambaia devem envolver os moradores.
Justiça ambiental, reparação e equidade — reparar dívidas históricas é parte da ação climática.
Preâmbulo
Ao Poder Público, às Instituições Nacionais e Internacionais, e à COP30Nós, habitantes da Marambaia — territórios de periferia, de igarapés, canais e rios, de memória, ancestralidade, cultura popular — reunidos no Fórum Permanente de Políticas Públicas Periféricas Marambaia COP30, manifestamos nossa convicção de que a crise climática nos afeta cotidianamente. Reivindicamos justiça climática real, concreta e transformadora, centrada nos direitos humanos, no reconhecimento cultural, na preservação do território, na dignidade.Apresentamos esta Carta Climática, em construção, como fruto de debates, assembleias e grupos de trabalho realizados no território.A crise climática não é futura, é presente em nossas ruas, casas e corpos. Enfrentamos alagamentos, doenças, falta de saneamento, ausência de mobilidade e precariedade estrutural. Ao mesmo tempo, mantemos viva a cultura, a memória e a ancestralidade que sustentam nossa identidade amazônica.Reivindicamos Justiça Climática como prática concreta e não como discurso.A Marambaia é parte da Amazônia urbana. Aqui vivem milhares de pessoas historicamente invisibilizadas pelas políticas públicas. Sem reparação histórica e garantia de direitos básicos, falar de “ação climática” é perpetuar a exclusão. Não há justiça climática sem justiça social.
Demandas Prioritárias
Regularização fundiária e proteção territorial — Garantia de direito à moradia sem remoções forçadas; zoneamento participativo; defesa dos igarapés e áreas de risco.
Água e saneamento — Acesso universal à água potável, esgoto tratado, drenagem pluvial e manutenção dos canais e igarapés.
Mobilidade e infraestrutura urbana — Pavimentação, iluminação, transporte público adequado, segurança para pedestres e ciclistas.
Saúde, educação e cultura — Unidades de saúde equipadas, escolas fortalecidas com educação ambiental e valorização da cultura local.
Meio ambiente e adaptação climática — Preservação e recuperação de áreas verdes; projetos comunitários de reflorestamento, contenção da erosão e monitoramento da qualidade da água.
Emprego e economia solidária — Apoio a cooperativas culturais, agroecológicas e de economia criativa; programas de renda básica e capacitação profissional em áreas verdes.
Reivindicação
Solicitamos às autoridades que:
Reconheçam a Carta Climática da Marambaia como documento legítimo de participação social;
Destinem fundos de investimento climáticos específicos para territórios vulnerabilizados;
Assumam compromissos de implementação imediata de políticas públicas que garantam água, saneamento, moradia, mobilidade e cultura em nosso território.
Fórum Permanente de Políticas Públicas Periféricas — Marambaia COP30

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