Eu vim da Amazônia — mas ela não veio de mim.
Sou barro que aprendeu a filmar o próprio incêndio,
sou verbo que planta câmera no tronco de uma samaumeira.
Aqui, até o silêncio tem sotaque.
O planeta arde, e eu não apago o fogo,
sopro nele —
pra ver se do incêndio nasce um poema.
A COP é missa de mercado,
mas eu trago terço de película,
rosário de planos-sequência,
confissão de um rio sem batismo.
Falo de florestas que sonham com cinemas,
de comunidades que rezam em código binário,
de quilombos que resistem com tambores e wi-fi.
A Amazônia é analógica, mas o sofrimento é digital.
Sou carpinteiro de poesia:
conserto palavras quebradas,
restauro orações em ruínas,
afino o pranto pra ver se vira hino.
Quem tem sede bebe lama,
quem tem fé bebe imagem.
O cinema é o olho da floresta
e a floresta, quando olha de volta,
me chama de heresia.
Não quero o aplauso dos salões climatizados,
quero o eco da Marambaia,
o grito periférico que funda a liturgia da lama.
Ali, a política é tamborim,
a estética é tijolo,
a esperança tem cheiro de açaí.
Belém é palco da COP,
mas também é caldeirão,
onde a elite ferve discurso e o povo cozinha protesto.
A cidade constrói avenidas para os estrangeiros,
mas esquece o caminho das águas.
Eu vi o BID comprando o verbo “sustentável”,
vi a Cargill vestindo o manto da penitência,
vi a lama vermelha rezando missa com o caulim.
E o governo, sempre ele,
acendendo velas pro capital e pro desastre.
Mas eu também vi a Marambaia:
erguendo bandeira de papel reciclado,
dançando boi com manifesto na cauda,
ensinando ao planeta
que revolução é reunião de esquina.
Sim, há teses — dez delas —
mas eu prefiro chamá-las de feitiços:
cada uma uma reza,
cada reza uma câmera,
cada câmera um clarão.
- Não
há justiça climática sem justiça social —
mas quem mede a temperatura da fome? - O
cinema é sobrevivência —
porque filmar é respirar sob a água. - Criemos
um fórum de trovões —
onde as imagens se abracem em assembleia. - A
Amazônia precisa falar de si —
porque ninguém entende seu dialeto de trovão. - Os
fundos são fundos demais —
e a cultura boia, sem remos. - Reparar
é replantar memória,
não apenas floresta. - Que
a escola ensine o corte do plano
junto com o corte do peixe. - Cultura
de periferia é adaptação —
porque quem dança sobre a enchente sabe sobreviver. - Sem
memória não há resistência —
e sem resistência, a arte vira marketing. - Formemos
a Frente Climática —
porque o inimigo é global,
mas o amor é local.
Sou poeta, sim —
mas também sou testemunha.
Vejo o futuro desidratando no presente.
Vejo a fé negociada em bolsas de carbono.
Vejo a palavra “verde”
ser usada como perfume para esconder a morte.
Mesmo assim, insisto.
Porque filmar é respirar.
E respirar, nesta terra, já é revolução.
Entre a lama e a seiva,
ergo minha câmera como cruz.
E digo:
benditos sejam os que resistem,
porque deles será o último fotograma.
O cinema não é espetáculo —
é ferida em tela grande.
A poesia não é ornamento —
é ferramenta de replantio da alma.
A Amazônia não é paisagem —
é sujeito político.
E eu, seu carpinteiro,
continuo martelando versos
pra que o planeta, cansado,
ainda possa sonhar conosco.
CARPINTEIRO DE POESIA
(por Francisco Weyl, o Carpinteiro de Poesia)
EVANGELHO DO CINEMA E DO BARRO
05.10.2025
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