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A Escola Poética da Marambaia & e o projeto caminhos da praça

© Por Francisco Weyl

(...)

“Marginal é o caralho

Não quero minha escrita
Circunscrita entre
as quatro margens da página
quero-a cravada na carne da vida
lá onde a língua se confunde com a saliva
onde o silêncio é a véspera do grito
e o vento se confunde com a crina”

Clei de Sousa
Poeta e professor de literatura

(...)

O produtor cultural Carlos Humberto, mais uma vez, intervirá na praça Tancredo Neves, lá na Marambaia.
Dia 7 de junho de 2008, sábado, das 7 às 17 horas.
Carlos Humberto morou anos na maramba, passou anos em sampa, mas, quando voltou, viu que tudo estava como dantes, que nada mudara.
Ele não tem dinheiro nem tem apoio de nenhum tipo de poder ou empresa, ele é um guerreiro, como muitos que nasceram e viveram e ainda estão vivos neste bairro, apesar de tudo, entantado.
Do bairro, muito se ouviu falar, bem o mal, mais mal do que bem, mas isso não interessa.
Mas, da praça, só se sabe – quem sabe – que ela tem nome de político.
O resto também não interessa: quando foi inaugurada, as reformas, os recursos públicos ali investidos, assim como os desvios destes mesmos recursos para outros fins que não os públicos.
A Tancredo Neves talí, há anos, abandonada.
Quem sempre fazia alguma coisa por ela, quem sempre reunia a comunidade paa sons & poemas era o Movimento Cultural da Marambaia, o Moculma, criado há 15 anos.
Mas o Moculma está agora desarticulado.
E o Carlos Humberto volta.
E faz essa cena outra vez.

(...)

Sobre a Escola Poética da Marambaia

“Cemitério Novo

A presença abstratamente macabra
penetrou o vazio
instalou-se
nesse Cemitério Novo
em que o coveiro
- recém empregado –
tem sede de trabalho
como uma úlcera gástrica
que tem fome.
E desde já os ratos
que habitam túmulos
cumprimentam o novato
que mesmo em poço profundo
caído ao negrume
não hesita em ficar ermo
a abraçar-se
com outros sentimentos desse termo.”

Marko Dalama
Poeta

(...)

Clei de Souza, Marco Dalama, Thomé Azevedo, João Queiróz, Buscapé-Blues, Cuité, Mika, Caeté, Zenito Weyl.
O que essas pessoas têm em comum é o fato de serem artistas originários do bairro que mais tem praças na cidade, a Marambaia.
Eles são a Escola Poetica da Marambaia.
Mas a Escola Poética da Marambaia, talvez, ela nem exista e seja só eu a única pessoa no mundo que esteja a tentar sistematizá-la.
Talvez, eu esteja a inventar esta Escola apenas para afirmar os seus poetas, se é que eles carecem de ser afirmados.
Ao valorar as obras que eles criam, também valoro meus poemas e filmes, ou filmes poéticos, ou filmes-poesia, ou poesias-filme.
Pois que seja eu próprio a criar este sentido poético da Escola da Marambaia, a partir das experiências existenciais que tive ao participar dos encontros com estes jovens poetas da maramba.
Se eu experienciar esta possibilidade de interpretação, realizo um movimento único, teorizo a Escola Poética da Marambaia, enquanto que os seus poetas seguem as suas vidas poéticas, naturalmente e à revelia de minhas digressões.
Talvez eu esteja a criar, exista ou não a Escola Poética da Marambaia, importa-me afirmar o que eu acredito, se existe – existe, se não existe – (r)existe, eu a (re)crio.
Fazer com que exista o que não existe, é onde (r)existe a síntese do ato da criação, um ato divino: o homem é o que ele é, parte ou totalidade de um sistema científico ou de uma Escola Poética, quer esta Escola (r)exista ou não, quer (r)existam ou não teorias sobre ela.
As ciências oferecem aos homens a chance de que eles se sintam humanos de tal forma que quaisquer que sejam os fenômenos, produzidos ou não na esfera do humano, limitem-se à condição da análise humana.
Os poetas, entretanto, apesar de atravessados pela generalidade dos fenômenos, preferem (re)inventar-lhes, dando-lhes o nome de poesia.
Eu preferi nomear uma Escola.

(...)

A praça e seus velhos e novos caminhos

“Sujeitos

Sujeitos ... sujeitos a tudo!
Sujeitos ao frio e calor.
Sujeitos a morrer debaixo de pontes
ou em filas pelo descaso da saúde pública
e exclusão social.
Sujeitos a viver embaixo de viadutos
Pelo descaso da moradia, ou a se favelar nos morros entre formigas
e deslizamentos de terra,
Tendo em vista tantos hectares improdutivos quilômetros dali.
Sujeitos a não se educar pelo motivo do trabalho infantil
em carvoarias ou olarias...
Sujeitos a voltar a escravidão no sul do Pará.
Sujeitos a não ingressar na Universidade por ser negro ou pobre.
Sujeitos ... sujeitos a tudo!
Sujeitos a se humilhar em troca de alimentos.
Sujeitos a vender o corpo em troca de uns miseres trocados.
Sujeitos a esperar a luz divina no fim túnel.
Sujeitos a escutar blábláblá na voz do Brasil.
Tendo o coro de miséria nas ruas e no noticiário das oito.
E sangue no espremer dos jornais pela sangria da violência das ruas.
Sujeitos a chacina pela terra.
Sujeitos a não esperar por nada,
nada, nada, sobre nada, genocídio
e bala perdida na face.”

Marcelo Sebastian
Poeta

Eu preferi nomear uma Escola, mas o Thomé Azevedo preferia chamar a maramba de “pólo”.
Niilistas teriam preferido ignorar essas questões.
Mas nem niilistas há na maramba, apenas malandros, esses que se esgueiram nas noites-madrugadas, com lata de spray, gargalos de garrafa, instrumentos de ponta, cortantes, dilacerantes, “passa a grana, otário”!.
Marambaia (r)existe nesta escola de vida, nestes guetos sórdidos, com as suas praças, onde poetas, meninos, têm encontros marcados, mas a polícia passa à paisana, olha e vê e, cega, esquece.
O poder público, este é apenas palavra – para não dizer teórico, já que as gangs agem o quanto podem, na maramba e no poder.
Violência textual na cara dos caras!
Os caminhos da praça alagada pelas chuvas, com o anfiteatro tomado de capim e lama, as quadras de volei e de futebol detonadas, os alambrados destruídos, os passeios quebrados, praça?
Onde estão as mães com as crianças, a rapaziadas que gazea aula, os namorados, onde?
Praça, praça Tancredo Neves, nome político para uma memória escrota que só não se apaga porque a praga reina e nós griamos contra o (des)estado de coisas.
A coisa rola de mão em mão, tragamos fumaças de ônibus lotado, esperamos nas paradas e a parada, como a justiça, tarda, mas não falha.
Os meninos cheiram cola, os meninos fumam maconha, os meninos consomem pasta de coaína, os meninos ficam viciados, os meninos pegam porrada dos pais, as meninas são assediadas, as meninas viram putinhas, os meninos, assassinam.
Assassinos, assassinos.
Os poetas gritam!
Caminhos torturantes da praça, esquecida.
E lá vão os caras com as suas promessas, lá vai o Estado, o govenro do Estado, o velho e o novo governo, a prefeitura, o velho e o novo administrador, lá vão todos eles para o mesmo palanque anunciar as suas velhas e novas mentiras.
E lá vai o Carlos Humberto a invocar os seus antepassados.
Lá vai Carlos chamar a moçada para mais um mutirão de arte e cultura e loucura e a gente sempre responde a estes chamados, pois que eles repousam mas nos incomodam, dentro de nós, nos nossos sonhos e nas noites mal dormidas, nas noites de insônia, em que ficamos pensando na praça, onde sempre estivemos, onde sempre estamos.
Caminhos da praça de dentro de cada um de nós, poetas, gritaremos, assim morreremos.

(...)

À guisa de conclusão

“Eu que tenho feito da poesia
O remédio pras minhas feridas
Tenho exercitado a fantasia
Me permitindo sonhar
Eu que tenho amado a justiça
O direito de fazer da cria
A alegra ia do criador
Na simplicidade tenho vivido
Tenho sim feito do amor
A minha razão de vida
Entre orquídeas e margaridas
Desabrochando outras flores
Assim tenho sido poeta
Reagrupando os assuntos
Realizando, fazendo meu dia
Exercitando meu Mestre
Faço brotar meu Deus interior
Crio faço da vida
Um verbo da Divindade
Brotando a Água da fonte”

©
Caeté
Poeta

A poesia transpira na Marambaia. Nos becos e barracos. Nas ruas e casas. As gentes que habitam este bairro formam um universo de símbolos e sonhos, sentidos e destinos.
A poesia ilumina a Marambaia. Acende velas nas encruzilhadas. Faz milagres nas esquinas. Bruxuleia desejos de meninos e meninas.
A Marambaia tem sons, ruídos, gritos e gemidos. A Marambaia vibra o espírito poético de seus moradores.
Do boi do Curió ao boi Estrela pai-d’égua. Do Galrar Cultural ao Moculma (Movimento Cultural da Marambaia). Da Troupe The 4 prácena ao Ribalta. Do Pantaleão ao caldeirão do Alan. A história do bairro vem sendo construída pela poesia de homens comuns.
Homens artísticos que têm escrito poemas e sentimentos de amor ao bairro.
Aqui talvez
Ao trazer à luz textos poéticos de escritores que moram ou que moraram no bairro da Marambaia, Carlos Humberto reafirma um velho propósito, resgatar um certo tipo de produção artística ainda excluída dos eventos formulados em gabinetes, que tentam, mas não conseguem exprimir a identidade de nossa sociedade.

(...)

Buscapé Blues:
Pequena biografia não autorizada do andarilho das galáxias
(Apendicite)

Buscapé Blues mostra a sua riqueza poética e musical no Andarilho das Galáxias.
O CD trás variados estilos, canções e baladas, que vão do brega ao funk, do samba ao reggae, do soul ao blues.
Sob a influência de Raul Seixas e de outros rokeyros não menos undergraunds, Buscapé Blues faz um som essencialmente urbano e com um toque absolutamente rural.
Seus poemas e melodias são fáceis: ele tem a simplicidade e a profundidade dos grandes poetas.
Suas letras são crônicas de uma realidade angustiante: através delas, tece a teia da crítica social, com o humor típico dos profetas que sorriem da vida.
Seus acordes têm a singeleza das harpas gregas: suas músicas são lúdicas como os jogos infantis, divertem-nos.
Seus temas são necessariamente ambíguos e paradoxais, fazem-nos refletir e rir: amor e ódio, filosofia e ironia, hipocrisia e desejo, prazer e violência, política e sacanagem, heroísmo e porcaria, história e mentira, virtude e vício, mar e morte, etc.
Identificado com as contradições das vivências humanas, o poeta fala a língua das comunidades periféricas da nova ordem global.
Buscapé Blues faz da Marambaia a sua própria lua, retirando-a do espaço físico sideral para a sua matemática musical, migrando-a da condição de satélite periférico para o centro de um sistema solar, onde ele, e só ele só, Buscapé Blues, é o astro-rei.
O andarilho das galáxias anda nas crateras da Marambaia, juntando-se a pessoas desconhecidas em noites esquecidas e em dias amanhecidos.
Na Marambaia, quem não sabe, já ouviu falar do noturno Buscapé Blues: ali ele já se tornou um mito idolatrado.
Ele conhece o bairro como ninguém, faz dele o seu habitat.
Buscapé Blues vive com jovens que não têm mais nada a perder, mas que ainda estão dispostos ao amor e à liberdade.
São meninos e meninas, dos quais retira, e oferece-lhes, com reciprocidade, e generosidade, a matéria bruta do poema, nascido e sangrado na Marambaia.
Em uma canção deixada de fora deste CD, ele diz:
”Nos idos de 1970
Eu morava na Avenida Dalva
Um dia minha avó me chamou
E disse deixe de ser sem vergonha
Vê se aprende a ler e a escrever
E pare de fumar maconha
Na Marambaia”.

É nesse encontro da poesia com o ritual social que Buscapé Blues semeia e colhe os seus sonhos e as suas canções.
Mas há quem considere desterrá-lo ao ostracismo da não execução: já não se consegue escutar nada além do que é imposto pela indústria fonográfica.
Estão, pois todos surdos. E cegos.
Os artistas, entretanto, estão à margem desse lixo.
Buscapé Blues tem no sangue o som e o silêncio, os rumores e os ritmos das ruas.
É pop. Tanto quanto Handy Wharol.
A diferença é que o americano comia bem e rapidamente vendeu-se aos média para ganhar dinheiro e fama com o glamour da crítica e da academia.
Buscapé Blues nasceu pobre, mas a sua pobreza é de carne, não de espírito.
Não lhe enfraquece a alma, fortalece-lhe a essência existencial.
Sem ter para onde ir, faz abrigo da casa de amigos dispostos a recebê-lo.
E mesmo assim não se passa para o outro lado.
A simplicidade de sua personalidade não lhe permite titubear, se viver entre os loucos e desprezados ou posar de feliz ao lado dos burgueses.
Oxalá conceda aos homens a benção de ouvir este Santo, do qual sou devoto e para qual rezo e faço promessas.

©Francisco Weyl
Carpinteiro de Poesia e de Cinema

Comentários

katyane disse…
olá, passei pra conhecer o seu trabalho e dizer que espero poder encontrá-lo no evento de literatura e cinema de resistência, mês que vem. conheço o trabalho do clei e gostei muito de poder "lê-lo" de novo aqui. um abraço. katyane marinho
Mário disse…
This comment has been removed by the author.
Mário disse…
Fale Francisco,
[pra ti lembrares de mim: estive na comitiva do Centenário do Dalcídio (formando o quarteto com a Iane, o André, e a Larissa), lá em Ponta de Pedras.]
Gostei mto deste post em especial, por divulgar o trabalho de pessoas que eu conheço e admiro(Clei).
Gostaria de te ver escrevendo mais neste blog.Um abraço!
anareis disse…
Estou fazendo uma campanha de doações para meu projeto da minibiblioteca comunitária e outras atividades para crianças e adolescentes da minha comunidade carente aqui no Rio de Janeiro,preciso da ajuda de todas as pessoas de bom coração,pode doar de 5,00 a 20,00, Doações no Banco do Brasil agencia 3082-1 conta 9.799-3 Que DEUS abençõe todos nos.Meu e-mail asilvareis10@gmail.com
ORA...ORA...O VELHO MOCULMA DE GUERRA SOMOS NÓS ARTISTAS MARGINAIS DA MARAMBAIA QUE FAZEMOS ESSE MOVIMENTO MALDITO NÃO PARAR NUNCA E SE DEPENDER DE MIM TAMBÉM ELE VAI ULTRAPASSAR DECADAS...AFINAL,NÓS SOMOS UMA VANGUARDA REVOLUCIONARIA ANARQUICA OU NÃO?

MARCOS SMITH

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