O cinema de guerrilha que se realiza na Amazônia não come da
mesma carne do cinema global, antes ao contrário, este cinema é faminto, mas
não passa fome, porque, ainda que o acesso às tecnologias lhes sejam negadas, sabe
se aproveitar das tecnologias que lhes foram legadas pelos seus antepassados e
ancestrais, é tão simples quanto isso, e nenhum menu se leva à mesa, a comida
há que ser plantada e colhida em diálogo com a natureza, numa fala que é mais
escuta, é poética, desinteressada do mercado, apesar de querer ganhar e ganhar
dinheiro, porque basta ir no mar e sacar o peixe ainda que ele esteja
contaminado, vai de canoa, vai de remo, de barco, popopô, embarcado, à cavalo,
de bicicleta, de buzu, mas vai, vai com o estandarte do santo, vai na maresia,
e debaixo do sol, vai comendo pelas beiras atééééééé que você nem percebe que
este cinema está entre nós como deus, e
ele nos move, é o romper da aurora, o fechar a cicatriz, segurar no peito a
dor, e andar em frente como um ator de cinema marginal, entretanto, o cinema
amazônida, ele não é marginal, é de guerrilha, uma pequena guerra, guerrazinha,
uma guerra isolada, de “isola”, ele se instala no momento em que a ideia se
liga à câmera da mente e desta como um vulcão explode em vontades de potências
mas não de verdades, num diálogo com o cinema de vanguarda (Soviético), o
neorrealismo (Italiano), a nouvelle vague (Francesa), o cinema novo
(Brasileiro), e o cinema Pobre (Cubano), sendo, portanto, uma pratica de
intervenção artística de dimensão histórica global, que procura dar respostas à
dinâmica dos processos políticos, com reflexões e ações de natureza estética
audiovisual, na qual os realizadores se autoproclamam independentes, pensam de
forma crítica, e agem com liberdade criativa na condução de seus despojados
projetos cinematográficos, com filmes tão gritados e ensolarados quanto os de
Glauber, desavergonhados de suas poéticas, estendendo-as do real à criação,
indiferenciados, sem ser e sem objeto, sem sujeito e nenhum ente, com uma língua que pode até ser um dialeto,
ou um ruído, um movimento tremido e desfocado, um grande plano geral, fixo,
todo mundo dizendo o que quer dizer e do jeito que sabe dizer e diz, com os
instrumentos através dos quais possa vir a dizer, fazendo-se entender para quem
entendeu a mensagem, não é problema meu, recado tá dado, pobres e sem economia
de esforços, mas artísticos, de natureza espontânea, numa ação autoral intensa,
violenta, no sentido da revelação das suas potencialidades e possibilidades,
hoje ancoradas em pesquisas e práticas autorais, como “Tecnologia do Possível”,
“Poéticas da Gambiarra”, e “Estéticas de Guerrilhas”, conceitos que tenho
desenvolvido e difundido em textos e artigos, que se pretendem ensaísticos e
aforismáticos e até semióticos.
© Carpinteiro
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