Pular para o conteúdo principal

Eu não digo que não exista racismo em Portugal


Quando fiz o documentário sobre estudantes africanos no Concelho de Mirandela, os entrevistados foram unânimes em dizer que não sofreram racismo.

Alguns até talvez por omissão, mas, a maior parte, com sinceridade.

Como documentarista, eu não intervenho nas respostas dos entrevistados, embora me permita analisá-las, com o devido respeito.

O caso mais recente e mediático foi a de um estudante caboverdeano do Instituto Politécnico de Bragança, em Mirandela, vítima fatal de espancamento, em 2019, o que mobilizou movimentos sociais para o devido esclarecimento e a punição dos culpados.

Ficou claro que a Comunicação Social relevou o fato exatamente porque o jovem era negro, do mesmo modo, a Polícia, que se demorou em agir na solução.

Estivemos nas ruas em apoio às manifestações, mas no nosso devido lugar, solidário, pois que o protagonismo desta luta há de ser dos próprios negros.

Eu não digo que não exista racismo em Portugal, entretanto, reconheço que os tugas são os cidadãos mais abertos em termos de Europa, o que não minimiza este problema global.

Nos últimos tempos, entretanto, as políticas públicas nacionais portuguesas têm tentado se adaptar a realidades contemporâneas, razão pela qual o país tem se tornado destino de muitas comunidades descriminadas, como trans, latinos, brasileiros e africanos.

Mas há que abrir muitas fronteiras, inclusive no âmbito Institucional, em politicas de imigração, e no âmbito educacional, com um melhor acolhimento e orientação para estrangeiros, que estão sempre no rabo da fila e desprestigiados em concursos de bolsas.

Eu também morei em Cabo Verde entre 2005 e 2006, em Santiago, a ilha mais negra da Nação, onde tudo começou, com os entrepostos de escravos, arrastados à força do Continente, e transportadas pela Companhia das Índias para o Brasil.

E o debate que se fazia naquela altura em Cabo Verde, e que ainda hoje se faz, era o do pertencimento ou não à África, quando, por razões econômicas, as políticas voltam-se mais à Europa, fato observado na mudança da bandeira, com o apagamento da estrela negra, e os hasteamento das estrelas, similares à União Europeia.

Quando estive em Cabo Verde, para participar do 1º Plateau Film Festival, em 2014, fui dos que mais pautou o debate sobre o cinema negro, quando, ao contrário, a maioria dos produtores e realizadores (locais) manifestavam maior interesse no cinema americano e europeu.

Como sou um crítico cidadão amazônida e parauara, autodeclarado afroíndio, sei muito bem o que é negar a própria origem e ter “cabeça” de branco-colonizador.

É, pois, uma luta constante, a da consciência política acerca do pertencimento à nossas próprias identidades, assumir o que se é, com orgulho, e ver no fundo da História o traço do opressor a marcar com ferro e fogo o corpo, mas, jamais a mente, ainda que a todo o custo os exploradores tentem desqualificar, e logo se apropriar dos nossos conhecimentos e criações artísticos.

© Carpinteiro

Porto, 3 de Junho de 2020


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Panacarica: dois Anos sem Rô, mas a eternidade ainda Navega

A água que cai do céu é fina, serena e funda, como quem sabe o que está fazendo. Cada gota que pinga sobre o rio carrega uma ausência. Há ruído de motor ao longe — daqueles pequenos, que levam a vida devagar. Mas hoje ele soa diferente: parece triste. E é. Ele carrega uma notícia que ecoa por entre os igarapés: Romildes se foi.   Amazônia não costuma anunciar luto com alarde. Ela simplesmente se emudece. A várzea fica quieta. A floresta para um pouco. Os pássaros cantam mais baixo. É assim quando vai embora alguém que é raiz, tronco e folha do território. Foi assim quando partiu Romildes Assunção Teles, liderança forjada na beira do rio e na luta coletiva.   Ele não era homem de tribuna nem de terno. Era homem de remo, de rede armada, de panela no fogo e conversa sincera. Era homem de olhar adiante, de palavra pensada, de gesto largo. Era Panacarica. Chovia em Campompema quando recebi a notícia. A chuva, sempre ela, orquestrando silêncios no coração da várzea. Era como se o ri...

Cinema de Guerrilhas volta a Braga para segunda Edição

 Será no dia 26 de março de 2025, na sede da Associação Observalicia, em Braga, a segunda sessão das “Vivências do Cinema de Guerrilha – Resistência Climática”. Organizada por essa associação sem fins lucrativos, dedicada à pesquisa e atuação em alimentação, tecnologia e ecologia social, a ação propõe uma imersão no audiovisual como ferramenta de resistência e transformação social. Vamos continuar a trabalhar juntos na construção coletiva de filmes que denunciem as urgências climáticas e ecológicas atuais. A oficina busca democratizar o acesso ao cinema, utilizando tecnologias acessíveis, como celulares, para que comunidades e indivíduos possam contar suas próprias histórias e fortalecer sua luta ambiental. Como facilitador, trago minha experiência no cinema amazônico, onde venho desenvolvendo pesquisas e produções voltadas para a resistência cultural e ecológica. Como criador e curador do Festival Internacional de Cinema do Caeté (FICCA), sigo explorando as estéticas de guerrilha,...

Cláudio Barradas: Do lugar onde se vê o último Ato

A partida do Cláudio Barradas encerra um ciclo do teatro paraense.   Assim como foi, há cerca de vinte anos, a partida do Luiz Otávio Barata. Entre um e outro adeus, perdemos também muitos outros. Atrizes e atores que, como eu, foram crias desses dois mestres — Cláudio e Luiz Otávio — que, ao lado de Geraldo Salles e Ramon Stergman, compuseram, ali entre meados da década de 1970 e o início da de 1980, um respiro vital para o teatro feito em Belém do Pará. Era um tempo de afirmação. Um tempo em que se confundiam os passos da cena  teatral  com a própria origem da Escola de Teatro da Universidade Federal do Pará. Cláudio foi, sem dúvida, uma escola dentro da escola.   Passar por ele era passar pelo rigor, pela entrega, pela sensibilidade.   E, claro, pelo amor à arte. Os que o tiveram como mestre — nas salas da Escola Técnica, no Teatro do Sesi , mesmo nos ensaios, onde eu ficava à espreita, para aprender, em espaços acadêmicos, institucionais ou alternativos...