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O fascismo de esquerda no Pará

 

Foi Habermas quem cunhou o termo “fascismo de esquerda” para distanciar a Escola de Frankfurt da Liga de Estudantes Socialistas Germânicos, cujos métodos praticados eram por ele considerados violentos, consequentemente, a expressão ganhou corpo contra os protestos e atos terroristas protagonizados pela extrema esquerda nos Anos 1960, que, segundo o filósofo, recorriam a práticas fascistas para afirmar seus ideais.

Esclareço esta informação, sem nenhuma intenção de criticar a violência dos trabalhadores para defender seus direitos, pois que a considero necessária quando a sociedade vive sob a égide de um Estado fascista e autoritário, antes, ao contrário, o que pretendo aqui é questionar a postura de grupos e partidos que se pressupõem de esquerda no Pará, mas que apoiam posturas fascistas adotadas pelos seus aliados, que em tese, situam-se no centro do espectro político.

E baseio-me para isso na recente repressão policial a um ato político convocado em Belém do Pará neste domingo, 7/6/2020, fez-me repensar as posturas dos partidos legalizados pela democracia burguesa que se autodeclaram socialistas e/ou de esquerda, mas que, entretanto, pactuam com governos de centro que flertam com a direita e com o fascismo, ou seja, PT e PCdoB ao lado do MDB do governador Helder Barbalho.

Nem vou entrar no mérito da questão da manifestação em si e da sua convocação que provocou muita polêmica por causa das necessárias medidas de isolamento social de forma a evitar o alastramento do Covid-19, que tem o Brasil como centro desta pandemia que de diversas formas assola a todos no planeta (Sobre este tema, aliás, escrevi semana passada, 4/6, aqui neste blog: http://carpinteirodepoesia.blogspot.com/2020/06/fora-fascistas.html).

Refiro-me a Polícia Militar do Estado subordinada a um governador que supostamente é de centro e tem apoio de partidos que se dizem de esquerda, que não apenas não convocaram como também fizeram campanha contra um ato que foi mundial, tendo ocorrido em vários países e em várias capitais brasileiras, sem que entretanto tivessem sido reprimidos, inclusive em estados onde os governadores são declarados à direita.

Os ditos partidos de esquerda e/ou socialistas simplesmente ficaram em silêncio, tendo se manifestado no final do dia, com notas pífias à imprensa, “questionando” e/ou “condenando” a repressão policial, mas preservando o nome do governador Helder, que pertence a uma família oligárquica que controla o poder político, econômico e midiático no Pará.

Num momento em que o mundo se manifesta contra atos racistas, e contra o fascismo, a repressão à manifestação e a detenção de dezenas de jovens, em sua maioria, negros da periferia, portanto, foi um ato clássico fascista de responsabilidade do governador Helder Barbalho, que tem como aliados partidos como PT e PCdoB, com o agravante de que a própria Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Estado está nas mãos do PT, mas que se cala diante de atos como estes aqui relatados. Não fosse a postura da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, ainda agora dezenas de jovens estariam detidos por terem ousado e de forma corajosa manifestar o direito de protestar contra o racismo e contra o fascismo.

Historiadores responsáveis que não são fechados em ideologias – ainda que professem o direito inalienável de as manifestarem – ensinam que os matizes do fascismo têm origens em ideais que de certa forma agregam tanto a direita quanto a esquerda, de que são exemplos, nos dias de hoje, as posturas de grupos extremistas que no Brasil se embatem uns contra os outros, sem que nenhum deles se ouça, nem a si próprios, internamente, e nem à sociedade, à qual desejam impor suas verdades, ainda que com muitas mentiras patrocinadas nas redes sociais, pela via das quais ridicularizam as divergências e desqualificam pensamentos que se descolam destas ideias preconcebidas, como se o mundo girasse a volta de esquerda e direita.

Há uma série de características que podemos identificar no fascismo, que é um movimento que se consolidou entre a primeira e a segunda guerra mundial, tendo a palavra fascismo origem latina (“fasces” ou do italiano, “fascio” - que era um símbolo de Poder da antiga Roma, resgatado por Mussolini, em 1919, e representado por um machado circundado por varas de madeira, que representavam, respectivamente, o Estado, e a sociedade).

Anti-democrático, protecionista, populista, totalitarista, militarista, nacionalista, autoritário, personalista, o fascismo ganhou corpo na Europa naquele período e hoje se apresenta caracterizado por racismo, homofobia, misoginia, antipartidarismo, entre outros conceitos neofascistas/neonazistas contemporâneos que os possam definir, sem descurar dos ideais tradicionais que lhe originaram, claro.

Ainda que o fascismo esteja situado à direta na política, compreendo que há diversos desvios fascistas nos partidos e movimentos sociais que se pressupõem de esquerda e dos quais precisam se depurar sob pena de incorrerem numa inconsciência coletiva e perderem adeptos que possam vir a se desiludir com os ideais de uma sociedade mais justa.

Desde a Revolução Russa (1917), que produziu um paranoico e assassino Stalin, que mandou matar milhares de pessoas para não perder o Poder e manter o seu partido único e totalitário, que setores da dita esquerda não aceitam que se lancem sobre eles o termo “fascista”, entretanto, não podemos ignorar a realidade dos fatos históricos, sendo o “centralismo-democrático” o marco do autoritarismo/totalitarismo partidário dos socialistas pós-soviéticos, característica, aliás, que se consolidou em muitos partidos social-democratas, que se propuseram socialistas, como o Partido dos Trabalhadores, no Brasil, não esquecendo os ditos comunistas, como PCdoB, PCB, e suas diversas correspondências que surgiram após divergências e “rachas” ideológicos, alguns dos quais, inclusive situados na distensão das antigas URSS.

Enquanto que os fascistas entre-guerras estavam fechados com os partidos de elites, os socialistas e comunistas se subordinavam aos comandos dos partidos únicos, que não toleravam divergências, vide – mais tarde - o assassinato de Trotsky, no México, a mando de Stalin, depois que este assumiu o comando da Revolução Russa, numa demonstração inequívoca de extremismo, radicalismo, e intolerância política, tomando como inimigos de morte adversários políticos, com a promoção do terror, e a manutenção do monopólio do Poder Político.

O caso da repressão à manifestação no Pará entra na História como uma espinha na garganta dos militantes, simpatizantes, e estudiosos das lutas dos movimentos sociais, num momento em que o Brasil vive sob um governo caracterizado por práticas fascistas, mas que lamentavelmente existem ditos socialistas que se aliam a governos cujas práticas são similares às do fascismo, o que me coloca esta dúvida, se de fato são de “esquerda” tais grupos/partidos, porque quem se alia com fascista, fascista é.

 

© Francisco Weyl

Porto, 8/6/2020


(FONTE consultada: https://pt.wikipedia.org/wiki/Fascismo#cite_note-223)


PS:

Após leitura das "notas" do PSOL e da Comissão de Direitos Humanos da Assmbleia Legislativa do Estado do Pará, que, aliás, foram emitidas praticamente após a libertação dos Jovens, resolvi fazer este pós-scriptus a esta publicação:

Alguns parlamentares que sempre estampam a própria foto numa arte para criticar Bolsonaro são os mesmos que não o fazem para criticar Barbalho, o Helder, antes, ao contrário, desta vez, diluem-se/ocultam-se atrás de "notas" de seus partidos/entidades, e evitam citar o nome do governador do Pará, isentando-o da responsabilidade pelo atentado à democracia que observamos neste domingo, 7/6, pelo que o caso da ação da PM /PA nas manifestações contra o fascismo revela como os "políticos” se autopromovem ou se descolam do fato, conforme os interesses eleitorais, entretanto, suposto que, caso fosse o prefeito Zenaldo, teríamos da parte deles, outra reação, mais presencial e imediata. Estamos de olho!



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