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O abraço

Estava numa reunião do SEBRAE em Belém para a qual fora convocado junto com outros realizadores e produtores de cinema, sendo o motivo da sessão a apresentação de um furgão com equipamentos cinematográficos para apoiar esta arte na Amazônia, entretanto, o material seria alugado e não cedido, o que me deixou estarrecido mas não frustrado porque já estava vacinado para esse tipo de práticas do SEBRAE, que escolhe a quem apoiar a partir dos indicados pelos influenciados políticos articulados aos empresários, pelo que na ocasião procurei a assessoria de imprensa da Instituição para lhes colocar diversas demandas com o interesse de escrever uma reportagem-denúncia, tipo: quanto de recurso o SEBRAE recebe e quanto investe no cinema da Região e de que formas, se por editais ou financiamento direto, por quais critérios (há, pois que abrir a "caixa preta"), etc.

Saí da reunião à francesa quando encontro-me na Marambaia, com a roupa do corpo (uma bermuda, um tênis e uma camisa branca, que estavam com o odor do meu corpo) - para ajudar a mudança na casa do meu irmão João, que nem estava na casa dele, mas em outro lugar, para falar com alguém que o apoiasse na desmontagem dos móveis, então, vou até lá encontrar com ele, quando chego na minha antiga casa, à Alameda 2 (Marambaia), onde estava outro irmão, o Pete, com quem eu costumo sonhar, sonhos diferentes, mas recorrentes, e que sempre lhe questiono porque está no sonho considerando que está morto (sim , meus sonhos são híbridos, misto de inconscientes e semiconscientes), mas neste sonho eu não lhe demandava esta questão, pelo que penso agora que narro o sonho, que meu irmão Pete estava vivo no sonho, o que significa que pelo menos para meu entendimento espiritual, ele atravessou o limbo das purgações, ou o que os tibetanos chamam de bardo.

Pete apareceu rapidamente na nossa antiga casa e a qual ele acabou habitando depois que todos saímos, cada um para a sua vida, e esta casa estava totalmente desarrumada e ao mesmo tempo era a casa do João, que na verdade habita no Conjunto Médici (assim como alguns de meus irmãos que jamais saíram da Marambaia e mesmo os que saíram jamais a retiraram de suas memórias e corações), e era como se fosse uma casa só, a do João e a nossa antiga casa, então, o João se oferece para emprestar uma roupa, como se costuma fazer, generoso e despojado que é, e eu digo-lhe que não se preocupasse, justifico a demora em chegar para o ajudar na mudança, quando, súbito estou na Praça da Cohab II, a cruzá-la na diagonal, no sentido de quem vem da 4ª Rua para a Travessa B, quando vejo meus pais, Seu Zenito e Dona Zinha, que vem em minha direção também, eles estavam de mãos dadas, Papai vestia uma espécie bata branca que chegava-lhe ao joelho e uma calça branca, parecia descalço, minha Mãe, um vestido longo branco tão leve que balançava ao vento, ambos pareciam vir a levitar de tão serenos, dirijo-me na direção deles e os abraço com carinho, e recebo deles o mesmo abraço, abraçamo-nos os três num mesmo corpo, a sensação foi tão boa que lágrimas corriam de meu rosto.

Ficamos um tempo a sentir nossos corpos abraçados no meio da Praça, até que a semiconsciência do sonho foi-se tornando consciência e eu despertei com uma sensação tão repleta de amor e paz no meu coração e na minha alma, deixando-me estar à cama a sentir e a pensar neste sonho, que agora se faz presente nesta narrativa que vai para o Livro dos Sonhos do Carpinteiro, uma das obras em prosa que eu tenho desenvolvido, a partir de crônicas pessoais e culturais, entretanto, ainda na gaveta.

Como de costume, imediatamente meditei as orações com as quais trabalho a minha espiritualidade, agradecendo à Deus por este momento vibratório que para mim foi de uma paz que se perpetuará no meu Ser, assim como têm permanecido o legado espiritual de meus pais, que é ancestral à nossa família Weyl, abençoada por termos sido gerado neste mesmo útero, e a partir do amor que uniu Seu Zenito à Dona Zinha.

            © Carpinteiro

            Porto, 2 de Junho de 2020 

  


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