Pular para o conteúdo principal

Elegia da Bela Paixão


Na guerra

Combatemos a guerra

E aprendemos a ter relações

Na paz que enamora teus lábios

E o fruto da tua língua

Amo a paz derradeira

E navego no amor guerrilheiro

Das matas do coração

As balas abrem feridas

Que jamais cicatrizam

Amo as balas

E o disparo de carícias noturnas

Esta madrugada foi eterna

Faltou-nos coragem ao prazer

Mas gritamos as dores da terra

Terra fica dentro da minha carne

Encrava tuas unhas na minha pele

E tortura o arado da volúpia

Homens de beijos tímidos

Deixai que o romantismo

Da revolucionária poesia

Transgrida as regras do jogo

E brinquemos feito crianças

Depositemos como elas

Toda seriedade da natureza

Na penetração

Como as águas do mar

As palavras dão lugar a pensamentos

E não há como e nem queremos

Esquecer o orgasmo total

Que foi o processo do conhecimento

Dos olhares e toques

De nossas vidas

Eu te tenho

Não como algo que me pertence

E sim com tudo de dentro de ti

Como uma bela mulher que exibe sorrisos

E conquista o que quer em troca

Como uma estrela a brilhar no céu

Que se permite à claridade

Cada vez maior

Até a sua explosão

E tu explodes em sussurros

E gritos e gemidos

E medos e segredos

E combates comigo

Essa invisível opressão

Falta-nos entretanto

Identificar o não identificável

Das paixões

Sem mensurar o menor dos silêncios

Ou o mais ensurdecedor

Dos gritos

Porque os gritos

Os nossos gritos

Silenciam

Mas hão de ensurdecer a História

Das guerras que travamos

Nas trincheiras do desejo

Me dá um beijo?

Anda que eu te sigo

Teus passos à sombra

E deito no vento acolhedor

Da primavera

Para roubar-lhe uma flor

Para adornar

Os teus diferentes cabelos

Mas quero uma flor

Cuja cor rime com teu nome

E complete a munição

De nossas armas

Que tanta falta nos fazem

Escuta o soluço da terra

Inunda o abrigo do homem do campo

A guerrilha resiste

Às tentações do poder

Que já não me faz mais a cabeça

Mas o nosso amor é assim

Como o retorno de Édipo

Necessário e inevitável

Ele se anuncia

Num programa de TV

Nos livros que lemos

E nos trabalhos que fazemos

Ele está vivo

Sob as botas dos soldados

Nas cabeças dos guerreiros

E o que somos?

E o que norteia

O nosso proibido querer?

Agora que experimentamos

Um pouco do imenso prazer

Que está por vir

Nas páginas dos matinais do país

Não te quero e não te tenho

Com respostas elaboradas

E não me darei ao direito

De definir soluções

O que acontecer haverá de acontecer

Sei e sabes que nos queremos

E isso se basta por si

Ainda que te perguntes porque

Se tu me fazes ver que podes

Façamos esta guerra

Sobre a terra

Onde passeiam nossos pés

Descalços

Apertemos este gatilho

Matemos o passado

Que habita em nós

E nos permitamos a não deixar

Que a paz cicatrize

É o apelo dos Deuses


© Carpinteiro

Belém, Agosto/1982


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Panacarica: dois Anos sem Rô, mas a eternidade ainda Navega

A água que cai do céu é fina, serena e funda, como quem sabe o que está fazendo. Cada gota que pinga sobre o rio carrega uma ausência. Há ruído de motor ao longe — daqueles pequenos, que levam a vida devagar. Mas hoje ele soa diferente: parece triste. E é. Ele carrega uma notícia que ecoa por entre os igarapés: Romildes se foi.   Amazônia não costuma anunciar luto com alarde. Ela simplesmente se emudece. A várzea fica quieta. A floresta para um pouco. Os pássaros cantam mais baixo. É assim quando vai embora alguém que é raiz, tronco e folha do território. Foi assim quando partiu Romildes Assunção Teles, liderança forjada na beira do rio e na luta coletiva.   Ele não era homem de tribuna nem de terno. Era homem de remo, de rede armada, de panela no fogo e conversa sincera. Era homem de olhar adiante, de palavra pensada, de gesto largo. Era Panacarica. Chovia em Campompema quando recebi a notícia. A chuva, sempre ela, orquestrando silêncios no coração da várzea. Era como se o ri...

Cinema de Guerrilhas volta a Braga para segunda Edição

 Será no dia 26 de março de 2025, na sede da Associação Observalicia, em Braga, a segunda sessão das “Vivências do Cinema de Guerrilha – Resistência Climática”. Organizada por essa associação sem fins lucrativos, dedicada à pesquisa e atuação em alimentação, tecnologia e ecologia social, a ação propõe uma imersão no audiovisual como ferramenta de resistência e transformação social. Vamos continuar a trabalhar juntos na construção coletiva de filmes que denunciem as urgências climáticas e ecológicas atuais. A oficina busca democratizar o acesso ao cinema, utilizando tecnologias acessíveis, como celulares, para que comunidades e indivíduos possam contar suas próprias histórias e fortalecer sua luta ambiental. Como facilitador, trago minha experiência no cinema amazônico, onde venho desenvolvendo pesquisas e produções voltadas para a resistência cultural e ecológica. Como criador e curador do Festival Internacional de Cinema do Caeté (FICCA), sigo explorando as estéticas de guerrilha,...

Cláudio Barradas: Do lugar onde se vê o último Ato

A partida do Cláudio Barradas encerra um ciclo do teatro paraense.   Assim como foi, há cerca de vinte anos, a partida do Luiz Otávio Barata. Entre um e outro adeus, perdemos também muitos outros. Atrizes e atores que, como eu, foram crias desses dois mestres — Cláudio e Luiz Otávio — que, ao lado de Geraldo Salles e Ramon Stergman, compuseram, ali entre meados da década de 1970 e o início da de 1980, um respiro vital para o teatro feito em Belém do Pará. Era um tempo de afirmação. Um tempo em que se confundiam os passos da cena  teatral  com a própria origem da Escola de Teatro da Universidade Federal do Pará. Cláudio foi, sem dúvida, uma escola dentro da escola.   Passar por ele era passar pelo rigor, pela entrega, pela sensibilidade.   E, claro, pelo amor à arte. Os que o tiveram como mestre — nas salas da Escola Técnica, no Teatro do Sesi , mesmo nos ensaios, onde eu ficava à espreita, para aprender, em espaços acadêmicos, institucionais ou alternativos...