Pular para o conteúdo principal

CRÔNICAS BRAGANTINAS: Bacuri me deu a mim e a minha paixão muitas alegrias


Todo paraense tem uma história para contar do clássico de futebol mais disputado do mundo, mas esta não é uma crônica sobre confrontos entre rivais no esporte, nem sobre as duas maiores paixões dos paraenses, depois do açaí.

Esta é uma narrativa sobre o economista Roberto Batista de Paula Filho, que adotou e foi adotado por Bragança do Pará, há cerca de 45 anos, mas cujo apelido refere uma das delícias do Pará, e um dos frutos que outrora era bastante produzido na Região Bragantina.

O apelido “Bacuri” foi ideia do treinador João Avelino, para quem o nome de um jogador tinha de ser de fácil assimilação, para o torcedor gravar, como Didi, Pelé, Dida.

Marido da pedagoga Conceição de Maria Schwartz Martins de Paula, e pai do Roberto e da Roberta, ele, que já tinha um apelido (“bacurau”), nem sabia o que era nem nunca tinha visto ou comido bacuri na vida.

Recordo, quando ia ao campo da Curuzu com meu falecido irmão Péte (José Raimundo), para ver aquele poderoso Paissandu, comandado pelo João Avelino (em 1980), e que tinha Carlinhos Maracanã, Patrulheiro, Chico Spina, Lupercínio e o grande craque Roberto Bacuri.

Ele não caminhava, ele bailava em campo, com uma classe e uma leveza incomum, e sabia tirar proveito de sua elegância, sem ser ligeiro, tinha um futebol compassado, a correr calmamente, com suas mãos dobradas, enquanto, com seus passes mágicos, distribuía majestosamente a pelota aos seus companheiros.

E me fascinava também a torcida nos estádios, com bandeiras e camisas listradas, seus gritos e seus cânticos de guerra, a compra de bilhetes na entrada e a corrida que dávamos na saída para ver os jogadores nos ônibus.

Bacuri me deu a mim e a minha paixão muitas alegrias, sem dúvida, um ídolo, que não por acaso marcou quase cem gols com a camisa alvi-celeste, tendo, entretanto, começado a jogar futsal no Clube Esportivo da Penha, em São Paulo.

Viciado em bola, sonhava com futebol, quando garoto, durante as férias, jogava bola na rua de terra, e apanhava muito em casa por causa disso, mas, valeu a persistência, fez teste, e jogou na Portuguesa, na sua fase juvenil (entre 1969 e 1973). 

E não era fácil, nesse período, tonar-se titular, porque o clube paulistano tinha craques da estirpe do Eurico, Brasinha, Leivinha, tendo sido Bacuri emprestado ao Campo Grande (MT). 

De campeão-aspirante, e mesmo com a proposta de compra de seu passe pelo São Paulo (1972), acabou se mudando d malas  bagagens para Belém, a convite de João Avelino (1974).

É quando começa a história de amor com o Paissandu, pelo qual marcou cerca de 80 gols, garantindo ao clube, na altura, pela primeira vez, a classificação ao campeonato brasileiro.

Em 1974, Bacuri nem sabia quanto é que recebia de salário depois que seu passe foi adquirido pelo Paissandu, que também lhe bancava hospedagem e alimentação, apesar de sabermos como funcionam estas complicadas relações trabalhistas entre clubes de futebol e seus atletas, inclusive nos dias atuais.

O futebol para Roberto era uma brincadeira, e ele ganhava dinheiro para brincar, era um divertimento, que começou desde quando jogava as “peladas” em São Paulo, razão pela qual nem fazia contrato, recusando-se a se profissionalizar, mas se dedicando com amor ao que melhor sabia fazer, gols.

Naquele período, o Paissandu tinha o estádio Leônidas Castro, com as bancadas detrás das balizas, e mais a bancada da Avenida Almirante Barroso, sendo que, do lado onde hoje funcionam as cabines de imprensa, existia um prédio de dois andares, com uma cozinha embaixo, e um salão com camas e armários, no andar de cima. 

E foi ali que o jogador dormiu até o final de 1975, sob um calor insuportável, apesar do bom “clima” entre da equipe, sem que o clube disponibilizasse condições adequadas aos jogadores, que treinavam de manhã e de tarde, e corriam na antiga Avenida 1º de Dezembro (hoje, João Paulo II).

Os divertimentos dos jogadores eram limitados, quando muito, uma saída para comer caranguejo, ou rápidas visitas a casas noturnas, como Lapinha, Pagode Chinês, e outros points de Belém. 

Mas Bacuri evitava saídas por causa do assédio dos fãs e também dos torcedores adversários, até porque era um provocador pela mídia, principalmente, no período dos clássicos.

Entre 1974 e 1975, subiram das bases para o profissional, no Paissandu, craques como Patrulheiro, Lupercínio, Careca, Paulo Robson, e Heider, nomes que fizeram história e trouxeram glórias e dinheiro, mas, apesar disso, o clube perdeu o campeonato paraense de 1979, e a mídia insinuou que a responsabilidade foi de Bacuri.

Na verdade, o craque foi injustiçado, porque, dos gols que o Paissandu marcou no campeonato paraense, mesmo sendo um meio-campo, Bacuri marcou 17 gols, um a mais que o Rei-Dadá (16 gols), sendo Bira (do Remo) o artilheiro, com 19 gols.

Chateado, ao fim do contrato, Bacuri, que não queria mais jogar no Paissandu, foi contratado pelo Ceará, depois de três meses de empréstimo, e foi quando finalmente se tornou profissional.

Enquanto que, no Paissandu, Bacuri recebia em valores atuais cerca de R$ 1.200 reais, no Ceará, ele iniciou com R$ 6.000 mil, passando, de seguida a jogar no América de Natal, com o final do campeonato brasileiro, tendo o seu salário saltado para R$12 mil, mais luvas de  R$ 50 mil.

Nesse ano de 1980, os três clubes nos quais jogou foram campeões, Ceará, América e Paissandu, para onde retornou a convite do amigo técnico João Avelino, com um bom acerto salarial de R$ 40 mil ao mês, entretanto, ainda que tenha voltado aos braços da torcida bicolor, sentiu que o Paissandu continuava amador, pelo que aceitou o convite do Itabuna, e foi jogar na Bahia.

E aqui o craque praticamente encerra a carreira, porque saiu da série A para jogar na série B, tendo o Itabuna não cumprido o acordo salarial, quando Roberto retorna ao Pará, interrompendo suas atividades profissionais de jogador de futebol.

Quando parou de jogar, Roberto Bacuri estava com 28 anos, e nem assistiu a Copa de 1982, porque precisava se afastar do futebol para dessa forma fazer nascer outro Roberto.

Mas o futebol deu a Bacuri a possibilidade de conhecer o Brasil, tanto que só não conhece cinco estados brasileiros, mas foi em Bragança que construiu uma nova história, junto da esposa e dos filhos Roberto e Roberta, montou padaria, trabalhou como motorista, cuidou da vida, formando-se em Economia, hoje, habitando o bairro da Vila Sinhá.

        Francisco Weyl

        Porto, 12 de Setembro de 2020

Ouça a CRÔNICA


Este texto constitui a décima sessão do Microprojeto CRÔNICAS BRAGANTINAS, pela via da qual publico narrativas escritas e memorialísticas autorais neste espaço, além de audionarrações que podem ser ouvidas neste Blog ou no Canal do Carpinteiro no Youtube.

Comentários

marcao disse…
Está semana contei para meus filhos o quão importante é craque de bola era o Roberto Bacuri. Um dos melhores jogadores que já desfilaram nos gramados envergando as camisas de clubes paraenses. Uma alegria ler e ouvir tua crônica. Um forte abraço, Chico e Roberto Bacuri, dois craques

Postagens mais visitadas deste blog

COM APOIO DA JUVENTUDE PERIFÉRICA, EDUCADORA SOCIAL NEGRA PLEITEIA PREFEITURA DE BELÉM

A eleição de Wellinta Macedo vai mudar o cenário político e social de Belém do Pará, com a proposta de uma gestão responsável, transparente e democrática, atenta à demandas das classes exploradas e excluídas. Uma simples olhada na sua minibiografia política, social e cultural revela que Wel – como é carinhosamente conhecida – vai fazer a diferença nestas eleições. Mãe- solo, tem dois filhos, Ernesto e Leon, ambos estudantes de escola pública, esta mulher negra, periférica, é educadora social, jornalista, crítica e atriz, além de militante dos movimentos de mulheres e movimentos negros e culturais. Ela milita há 17 anos no PSTU, tendo colocado seu nome à disposição do partido em duas campanhas, tendo sido candidata à vereadora, em 2016, e à deputada Federal, em 2022. No Movimento Negro, constrói o Quilombo Raça e Classe Nacional, sendo que, desde 2013, realiza a Marcha da Periferia, em alusão ao Novembro Negro na Terra Firme. Ela também participa de rodas de conversas, mesas

Fórum COP30 da Marambaia realizará primeira reunião na Gleba 1

A comunidade do bairro da Marambaia toma para si as rédeas dialógicas sobre as questões climáticas ambientais que têm sido pautadas pelas diversas nações assinantes da Convenção-Quadro da ONU sobre mudança climática. Avaliar a situação das mudanças climáticas no planeta implica também RE-conhecer e respeitar as realidades locais como estratégia Amazônica sobre mudança climática. Mais que estabilizar a emissão de gases de efeito estufa na atmosfera que constitui grande ameaça climática planetária, a Marambaia quer desenvolver metodologias alternativas de participação popular neste processo. A Marambaia é um dos bairros mais arborizados de Belém, em razão da sua privilegiada localização, com florestas, rios, igarapés, canais, além das dezenas de praças dos conjuntos habitacionais edificados no bairro. As diversas estruturas hoje existentes na comunidade resultam de lutas populares por melhores condições de vida e trabalho com dignidade, do mesmo modo, a pujante cena cultural local reflet

Pela construção do OBSERVATÓRIO & FESTIVAL DOS FESTIVAIS DE CINEMA DA AMAZÔNIA PARAENSE

Estamos juntos, mas nem sempre misturados, porque somos diferenciados em nossas pautas e nos encaminhamentos com relação ao confronto com o mercado. Há muitos debates importantes ao movimento audiovisual da Amazônia Paraense. E o momento de aprofundarmos esta discussão, por exemplo, sobre políticas públicas audiovisuais, política de editais, a maioria voltados para fortalecer o cinema de mercado.  São políticas editais excludentes, conceitualistas, curatoriais, cheios de artimanhas contemporâneas que criam uma onda em favor de um tipo de arte, apagando e excluindo o que se produz fora deste eixo do mercado. E esta questão se coloca como um divisor de águas. Quanto de dinheiro tem para o cinema da Amazônia?  E quanto deste dinheiro vai financiar o cinema de mercado>? Quanto vai ter de dinheiro para quem não é empresário do cinema e do audiovisual? Para quem cria e faz cinema comunitário, nas periferias e comunidades tradicionais e quilombolas e indígenas, cinema nos movimentos sociai