Ode ao Professor Nonato
Esta noite pensei na avenida que começa na igreja da matriz e vai dar na aldeia.
Aquela que já lá de cima a gente vê a feira e o Caeté.
Mas tem-se que caminhar até lá abaixo para estar entre os homens de minha terra.
É preciso descer da soberba humana para estar entre eles.
E ao lado deles olhar os barcos a subir e a descer o rio.
© Carpinteiro
Bragança do Pará, 20 de Outubro de 2004
Assista e/ou ouça a declamação do poema pelo autor.
(...)
Poema petrificado
Teu peito de aço estilhaçado,
espelho revelado em meu rosto mascarado
reflete esta arma disparada
como espada
atravessada em lâmina apunhalada
Tua boca mordida, cintilante
de amante enlouquecida em saraus e madrigais
São esses cabelos negros
que encobrem a tez nos dias de inverno
em que a tua ãnima me aquece
E eu que nunca te beijei
mas te desejo como um fogo aceso
num jardim outonal?
Branca e serena tal poço de um poema
neste vulcão que engole as próprias lavas
Disseco tuas palavras amaldiçoadas pelos Deuses
e a eles imploro
que te deixem em paz
Mas eles não escutam minhas aflições
e nem seus olhos alcançam os horizontes de meus delírios
Então eu grito ao teu ouvido
mas nem tu escutas esta minha ausência
de Ser metafísico
Óh, amada,
desesperada, alucinada, de mãos delicadas,
encravadas na poesia
Que Eros te deite seminua em meu leito
até que a Lua afague
a última gota de orvalho
E o sol apague em nossos olhares
a humanidade
que se faz tarde em madrugar
Mas eu me recolho no escuro
a tatear tua epiderme
e caio no fosso de teu corpo
E atravesso as camadas de tua carne
tornando-me sangue de teu sangue de poeta
Desventro com a lâmina cega
até que o âmago decomponha
um a um de nossos versos
E deles brotam pálpebras impúberes,
Exus-Mirins à deriva nos terreiros querubins
Batuco ancestralidades
em silêncio
enquanto transcendo ritos em que medito por ti
Não há dor nem esperanças
entre as fronteiras das cidades cinzentas
Nem guerras ou acordos
que nos desterrem para além de nosso lugar
É aqui dentro desta força que nos é superior
onde nasce o amor que nos socorre
Náufragos atormentados
em tempestades
num mar de desesperos e solidões
Onde a tragédia faz nascer
os sentimentos dos mais nobres de nosso tempo
© Carpinteiro
Belém, 28/05/2018
(...)
Poema reciclável
O ser humano por qualquer motivo ou por nenhum aparente
Se desprendeu da rocha e seguiu em frente
Seguiu andando
E eu diria ainda que este Ser
É o alter-ego da rocha
E que a sua explosão ou erosão
Nada mais são
Que a sua própria dor
De não mais Ser
A rocha que outrora fora
Mas que apenas no seu sonho
Ele ainda a é
Daí ao Ser o seu eterno retorno
Ao pó
Ao próprio Ser
Em ciclos cósmicos
Que ele percorre em seu inconsciente
E quanto mais o Ser acrescenta
Mais ele retira às coisas do Universo
Sendo pois preciso fazer um verso
Que semeie a senda
Por entre eiras e beiras
Temporais, intempéries, e sais
Minhocas e bactérias
E todos esses bichos
Que fazem deste ciclo
A grandeza mais que infinita
Das almas dedicadas
À suas próprias naturezas.
© Carpinteiro
Bragança do Pará, Outubro de 2014
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