Voltar a Portugal de certa forma é retornar aos amigos e aos projetos cuja experiência vivenciei.
Antes de vir, comecei por demandar amigas e amigos por e-mails sobre questões relativas à vida no Porto, e todos foram unânimes em me dizer que isto aqui está mudado.
De fato, está.
E penso que esta mudança ocorreu desde a preparação do Porto 2001, Capital da Cultura Europeia, estendendo-se com à Copa da UEFA, anos depois.
Lembro que, àquela altura, começaram uma série de movimentos para “limpar” a Ribeira dos malucos que por lá andavam, entre eles, eu próprio.
A Ribeira era uma festa portuense, mas hoje seus bares e esplanadas servem mais a turistas do que às pessoas de cá.
Fala-se mais inglês do que português.
Mas eu tenho mais estado em César do que no Porto.
Aqui é aldeia que nasceu meu amigo Luís Costa.
Aqui também nasceram seus antepassados.
E como todo bom português, alguns de seus antepassados também foram imigrantes, no Brasil, para onde Luís foi, de barco, numa excursão que reconstituiu uma das viagens de Antônio Vieira.
Seu barco saiu do continente, foi arrastado pelos ventos aos Açores, seguiu pelas Canárias, atracou em Cabo Verde, quando eu ali habitava, e seguiu para o Brasil, levando como lastro os meus livros.
Quando chegaram em Belém do Pará, tendo passado por Fernando de Noronha, Bahia, Pernambuco, e Ceará, Luís entregou-me os livros, pois que lá já eu estava.
Além de Luís quem fe também esta viagem comandada por Antônio Abreu Freire foi o Jaime Ribeiro, um amigo em comum, da Escola do Porto.
E quando o barco passou em Cabo Verde, organizamos uma cena artística, inclusive com a presença de nossa Mestre Sério Fernandes, e do amigo Cristiano Pereira, que se deslocaram (de avião) do Porto.
E Luís aproveitou para produzir o filme “A Escola do Porto em Cabo Verde”, que me mostrou esta tarde, emocionando-me pelas imagens que me trouxeram recordações de grandes momentos de nossas vidas.
Quieto e quase calado, Luís é artista pela sua própria natureza.
Home do campo, tem a sabedoria cósmica dos grandes filósofos e observa a vida a partir desta dimensão, ele vê o fenômeno como uma ínfima parte do universo e logo destaca a grandeza das pequenas coisas.
Professor e realizador, fez diversos filmes sob a estética da Escola do Porto, que preconiza os Magníficos Quadros Artísticos Cinematográficos, com quadros parados que mais se parecem à pinturas em movimento do que à cenas fílmicas em si mesmas, e que revelam o real, pela sua simplicidade, absoluta, épica e trágica.
Mas Luís escapa às regras desta escola com a sua autonomia criativa na qual ele filma o seu próprio transe e capta o que já está na cena, de uma forma pessoal, resultando daí imagens em movimento, que se desfocam, e se perdem além do quadro, revelando o onirismo de sua magia.
Suas montagens são rítmicas de acordo com a ação que capta, e muitas vezes ele deixa a cena toda, como se não fizesse questão de interferir na cena, a qual ele afinal realiza.
Luís é uma pessoa inteligente, que se interessa por diversos assuntos, particularmente por Arte, Espiritualidade, e História, de Portugal e do mundo.
Conversar com ele é como que entrar por um portal que nos coloca diante de uma vertigem.
E com ele navegamos por mares nunca dantes navegados.
Deste o Quinto Império aos Vegas, desde as cavernas glaciais até o período megalítico, dos Sufis aos arianos, dos monges aos guerreiros, dos navegadores aos fascistas.
E conhecemos a essência trágica de Portugal, seus Reis e seus guerreiros, seus artistas e seu povo.
Nestes dias de César, eu tenho conhecido outro Luís, um Luís real, que ama, trabalha, produz, vai à padaria, e tem uma história própria de vida, com contas para pagar, filha para cria, e cães para cuidar.
Já lá se foi um mês que estou hospedado em sua casa, ocupando um pequeno quarto que pertence á sua filha, quando ela cá vem ter.
Diz a lenda que César teme este nome porque o próprio César veio aqui, tanto que mais acima, tem uma aldeia batizada Romariz (de Roma).
Com o tempo, caiu o aceto da pronúncia do César e ficou Cesar, com acento da pronúncia no “ar”.
É um lugar pequeno, com muitas casas de pedra, e um bosque imenso ao redor, que tem sido abandonado pela Justa de Freguesia local e destruído pelos “eucalipteiros”.
Mas mesmo assim conserva a sua graça e serenidade, com poucas pessoas a transitar pelas ruas, mas com diversos tipos de serviços disponibilizados aos cidadãos.
Eu gosto de cá, mas nestes tempo preciso estar mais ao Porto.
Francisco Weyl
César, Aveiro, 27 de Setembro de 2018
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