Há pessoas que mal olho e logo quero beijá-las.
E outras que eu desejo mas nem as vejo.
Há pessoas cegas, e eu, Tirésias.
Pessoas para as quais eu nem dirijo o meu olhar,
e delas sinto o sentimento que lhes move escapar.
Conheço pessoas que andam para todos os lugares
mas que são parasitas, na verdade.
E andarilhos,
que nunca foram a lugar nenhum.
Há nômadas demasiados nesta Babilônia.
Gentes que se deslocam nas sombras
de seus universos paralelos.
Mas há passantes que são como o Sol,
com a sua Luz radiante, a arrastar os planetas.
E transeuntes a cair nos buracos obscuros.
Estrelas, que de manhã acendem
e não se apagam, no crepúsculo.
Corpos que se afetam com efêmeras estéticas.
Espíritos lunares, tempestuosos mares,
e naus, à deriva.
Há poetas errantes e solitários amantes.
E silêncios,
que ecoam em cavernas primevas.
Figuras rupestres, pixos.
Bichos domésticos, seres humanos enjaulados.
Selvagens contidos, psicopatas, disfarçados.
Conheço monges rockeiros e estranhos romeiros.
Almas livres, pássaros abatidos.
Espécies extintas, pessoas comuns.
Geografias sem mapas, territórios fechados.
Há feirantes e arqueólogos,
operários e sommeliers,
alpinistas e cadeirantes,
corretores e vendedores de flores de cemitérios.
Pessoas diferentes mas tão semelhantes.
E todos os tipos de artistas,
que não sabem quem ou o que são,
se cães ou vassalos, soldados ou farsantes.
Enquanto isso, um beija-flor se aproxima à janela de meu quarto.
“Do meu quarto de um milhão de quartos do mundo”.
E, ao vê-lo, sinto o pulsar de seu coração,
Então, sinto-me um Álvaro de Campos,
a olhar o lírio-do-bosque.
Porque há mais metafísicas no mundo do que chocolates,
que, afinal, é o último vício que me resta
além do poema.
© Carpinteiro
Porto, 10/11/2018
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