A última vez que vi a minha mãe
Olhei-a nos olhos e a senti na alma
Já não podia dizer-lhe mais nada
Havia entre nós dois qualquer coisa de silêncio
O mesmo silêncio que separa-nos dos anos
Que nos conduzem à morte
A última vez que vi a minha mãe
Foi como se não a visse
Porque ela já não era mais ela
E eu já era mais eu
Éramos dois corpos
A ocupar o mesmo lugar naquele espaço
Naquela casa em que moramos por longos anos
Naquele bairro da periferia de Belém do Pará
A Marambaia periferia do Brasil
Periferia do mundo
Periférico de nós dois, eu e minha mãe
A última vez que vi a minha mãe
Disse-lhe pela última vez
Que eu iria viajar mais uma vez
Ela pousou as mãos sobre a minha cabeça
Ofereceu-se-me
Através de si as benções de Deus
E ficamos em silêncio
Eu de olhos fechados sobre o seu colo
Ela com os olhos fixos nas paredes
Os mesmos olhos da avó cega
Que lhe ensinou a ler e a escrever
Olhos de Tirésias
Míticos e proféticos
Como o é esta história que vivemos
Naquela tarde de quinta-feira
Eu e minha mãe naquela varanda
Em que estivemos em outras tardes
Reunidos com a família
A mesma família que morre
Aos poucos com a morte da mãe
Mas a vida é morte e renascimento
Como bom cristão que sou
Ainda guardo aquela benção
E por vezes choro a sua falta
© Carpinteiro
Cidade da Praia, Cabo Verde, 10/10/05
(FOTO © Dica Weyl)
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