Quando retornei à Bragança do
Pará, em 2012, eu era um homem que beirava os 50 anos, e transportava comigo a
esperança de que minhas andanças chegariam ao fim.
Ao habitar finalmente a minha Terra,
eu trazia na pequena bagagem da mudança mais sonhos do que objetos.
Um desses sonhos era sentir o
cheiro de um passado que nunca tive porque nunca morei no lugar em que nasci.
Eu queria morar as mesmas ruas e
bairros que meus pais e avós viveram para experimentar o que só sabia de ouvir falar,
quando era menino e adolescente.
A aldeia, o cereja...
E eram tantas histórias e todas
elas se impregnavam em meus sonhos.
Os quintais que nunca brinquei, os
campos que jamais corri, as árvores de cujos frutos não comi.
Lugares que não vi, mas dos quais recordo
o sabor pelas memórias dos meus pais que já se foram, e dos meus irmãos mais
velhos, que não se cansam de me contar as mesmas histórias que eu não me canso
de escutar.
Mesmo sendo um poeta errante,
entre idas e vindas do Brasil e de outros países, europeus e africanos, todo
final de ano, eu escutava o chamado dos meus sagrados antepassados.
E podia ouvir do meu coração o
ritmo dos tambores dos esmoleiros das comitivas de São Benedito chegando dos
distantes percursos que fazem em praias, colônias e campos.
Então, eu sentia o fechamento de
um ciclo, como as quatro estações da lua, que não tem luz própria, sendo, pois,
a sombra, em si mesma.
E quando míngua a lua, não se deve
começar coisa alguma.
Ou, não.
Voltei, fazia Mestrado e ministrava aulas na UFPa, então,
toda semana, eu fazia o percurso de ida e de volta.
E fiz poemas e filmes nestes deslocamentos.
E matutava em minha irrequieta mente coisas que poderia fazer
na e pela minha cidade.
Perdi os referenciais de Belém e tentei estabelecer sólidas
relações culturais com meus conterrâneos sinceros e éticos.
Abençoada seja, Bragança!
Terra de poetas, músicos, escritores.
É tão forte o legado cultural que o Município dispõe de duas academias
literárias.
Academia de Letras e Artes de Bragança e a seccional Regional
da Academia de Letras do Brasil, da qual este humilde cronista faz parte, pelo
que me comprometo retomar o assunto em outra escritura.
De localização privilegiada, Bragança foi beneficiada desde o
período das Capitanias Hereditárias, destacando-se ainda mais no ciclo áureo da
Borracha, de onde ainda guarda alguns registros.
Lugar narrativas históricas, entretanto, algumas controversas,
como a da estada de franceses e a data atribuída à fundação da cidade, a 8 de
Julho de 1613.
Foi elevada a cidade 1854, mas suas origens remontam o tempo
do Brasil Colônia.
Como tenho este perfil híbrido entre o político e o artístico,
inventei um projeto editorial, lancei um jornal impresso e virtual, a Tribuna
do Salgado, sobre o qual também voltarei a falar noutro texto.
E lancei o Ficca – Festival Internacional de Cinema do Caeté,
que vai ser o tema da minha crônica na próxima semana.
Isso, em 2014, estava a redigir a Dissertação “Cenas Poéticas
da Marambaia” para o Programa de Pós-Graduação em Artes da UFPa, e desta forma,
criando uma epistemologia periférica.
Nesse turbilhão criativo de produção e de trabalho, veio-me à
mente o Sarau da Lua Minguante.
Por esta altura, eu já me envolvera em algumas reuniões espontâneas
com amigos queridos como o poeta Edson Coelho, o Bil, o Walcyr, a Marivana, e já
estabelecera uma ponte com pesquisadores do audiovisual, como o Danilo e o
Cristovão, além da relação com os imortais José Ribamar Oliveira e Beto Amorim.
Já me sentia, portanto, em casa, pelo que fiz o chamamento
para o Sarau da Lua Minguante.
Optei por esta estação lunar exatamente para destoar dos
demais projetos da lua cheia.
O primeiro Sarau da Lua Minguante ocorreu numa Sexta-Feira, 15
de agosto, na sede do Jornal #TRIBUNADOSALGADO, na Avenida Marechal Floriano
Peixoto, 1650, centro de Bragança.
Teve a presença de jovens poetas bragantinos, com direito à
leitura de poemas próprios e de outros autores, com os livros à disposição do
público interessado na leitura e na escuta de poemas.
Além disso, montamos varais poéticos e fotográficos, dentro e
fora da sede da Tribuna do Salgado, tocamos vinil, fizemos projeção de filmes,
com diálogos sobre arte e política, projeções de filmes e fotos e música
eletrônica.
Entre os poetas convidados estavam: Waldeir Oliveira, Edson
Coelho, Cristiana Chaves, Diego Wayne, Ivaneson Silva, Frank Araujo, e
Carpinteiro de Poesia.
A fotógrafa Dri Trindade também fez exposição num Varal de
imagens poéticas.
A convocatória deste Sarau era explícita: COM-partilha-mento
& tráfyko de ideias e ações sobre arte & política, paz &
revolução.
Uma das características destes Saraus era o nomadismo.
Assim sendo, começamos a nos deslocar pelas casas dos participantes, tendo
realizado sessões no Sítio Nigrea, na Vila Sinhá, e na Casa do Professor, em
Ajuruteua.
Do mesmo modo, o Sarau deu início a uma série de cortejos,
alguns dos quais se tornaram filmes que podem ser vistos no Youtube.
Os cortejos poéticos percorriam as ruas de Bragança, mobilizados
pelo Coletivo Sarau da Lua Minguante.
Fazíamos paragens em Praças e estações como Trapiche, Mercado,
sendo que, em cada um destes espaços, havia performances, encenações e leituras
dramáticas.
Com uma carroça estilizada e tambores, os poetas distribuíram
pergaminhos poéticos no percurso.
Em nome da liberdade caminhávamos pelas ruas, deixando um
rastro de arte e uma boa energia pelo caminho.
Durante os cortejos e intervenções urbanas de caráter
artístico, poético, social e político, os poetas também distribuíam poemas aos
passantes.
Nas casas, acendíamos fogueiras e sentávamos às rodas ou à
volta das mesas em ceias coletivas, acompanhadas de vinho.
Um clima de harmonia e paz tomava conta destes momentos,
mágicos.
O Coletivo Sarau da Lua Minguante era formado por cerca de
cinquenta pessoas, com idade entre 20 e 50 anos.
Estudantes e profissionais de diferentes origens, que tinham em
comum a paixão pela poesia, a qual liam e comentavam e sobre a qual dialogavam
e a transcendiam.
A ideia cresceu, recebeu adeptos, entre estes o artista
plástico Cuité, a atriz Rosilene Cordeiro, e o músico Flávio Gama, que chegaram
a participar de algumas ações do Sarau pelas ruas de Bragança.
Estes encontros para leituras de poemas e diálogos sobre
poesia em quintais e sítios e praias e cortejos de rua marcaram os anos 2014,
2015, 2016, em Bragança, deixando saudades em seus participantes.
Em 2019, entretanto, o Sarau da Lua Minguante retornou numa
versão virtual, via canal do Carpinteiro de Poesia.
E o projeto também se estendeu à Rádio Cidadania WEB.
Como Bragança é uma cidade de pujança cultural e pela qual
circulam muitas pessoas, diversos outras atividades similares têm sido
realizadas, mas, nenhuma delas, com o espírito daqueles poetas que cantávamos
para a Lua Minguante.
Francisco Weyl
Porto, 24 de Julho de 2020
FOTOS: Dri Trindade / Pedrosa Neto
ARTES cartazes do Sarau da Lua Minguante: Carpinteiro de Poesia
FILMES DO SARAU DA LUA MINGUANTE
Cortejo da Lua Minguante: https://www.youtube.com/watch?v=qfsOIHf9XLI
O Espírito da Lua: https://www.youtube.com/watch?v=WLugvmXwm8k
Playlist do Sarau da Lua Minguante
https://www.youtube.com/playlist?list=PL8hqo6LhPuP0X1idoYOa_Mj8hNjCcgQgb
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Este
texto constitui a terceira sessão
do
Microprojeto CRÔNICAS BRAGANTINAS,
pela via
da qual publico narrativas
memorialísticas autorais neste espaço.
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