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Mudanças na política cultural cinematogtráfica de Cabo Verde


Há sete anos sem vir a Cabo Verde, súbito, percebo diversas mudanças das quais não tendo participado diretamente, sinto, ainda que nesta distância geográfica e temporal, que também contribui para que estas acontecessem.
Mudou o governo, saiu o PAICV, entrou o MPD (na Câmara Municipal da Praia, que é a capital do país). E esta alteração na correlação de forças também modificou o cenário do próprio país e particularmente de sua capital, a Praia, onde habitei e produzi. Novos gestores e novos sonhos. Novos problemas, sem dúvida, mas também novas formas de enfrentar os desafios, com ousadia.
Estes ventos trouxeram, portanto, novos atores para a cena política e cultural, novos protagonistas de processos que se vão instaurando, desde os com apelo profissional internacional e que por isso mesmo contam com apoios do Ministério da Cultura, como o FORCINE - Festival de Cinema Negro Itinerante, coordenado por César Schofieldi - e agora o #PLATEAU, festival que surge como a mais recente menina dos olhos da Câmara Municipal da Praia, e de onde vai inclusive surgir um documento a partir do Fórum Plateau, que vai reunir realizadores de cinema cabo-verdianos, africanos e de todo o mundo.
É de se registrar e parabenizar o Pelouro da Cultura da Câmara Municipal da Praia, à frente Antônio Carlos Lopes da Silva, que contou uma equipe dedicada para gerir as áreas de cultura, juventude, desporto, cidadania e segurança, setores que se atravessam nas ações e que tem garantido visibilidade ao partido que lidera a Casa, o MPD.
Andando pelas ruas, antes e a seguir ao rápido almoço, observo que a Praia está mais bonita, mais organizada, alguma coisa tocou o cidadão e a cidadão, desde a sua autoestima até a sua perspectiva de dias melhores.  As vias do centro foram reformadas, as praças estão mais cuidadas, há pequenos cafés e restaurantes, muito mais bem organizados, inclusive, há até mesmo uma rua só para pedestres transitarem sem que sejam incomodados pelos veículos, um mimo.
Como fui convidado pelo Governo de Cabo Verde, via Júlio Silvão, que é o presidente da Associação de Cinema de Cabo Verde e que por isso mesmo está na linha de frente do #PLATEAU – Festival Internacional de Cinema da Praia, cujo coordenador geral é Ivan Silva, do Pelouro da Cultura da CMP, contando ainda com as fortes presenças do realizador Guenny Pires e do fotógrafo César Schofieldi.
O grupo que conduz o #PLATEAU, com demasiada emoção, diga-se de passagem, alternam-se em momentos de consenso com os de acidentais desentendimentos  quanto aos encaminhamentos dos processos do Festival. A tensão se dissipa entre amigos e profissionais que são, todos com uma dedicação sem fim para que este evento seja marcado pela competência organizativa e pela profundidade dos conteúdos dialogados além da qualidade estética dos filmes apresentados.
César me narrou que há muitas novidades em termos culturais que serão refletidas no próprio festival #PLATEAU. Entre estas, o Cinema da Praia, que foi reativado e que não é mais o único, já que existem projetos culturais independentes articulados no âmbito das próprias comunidades como o Cine-Gueto e a Biblioteca da Achada Grande, e que são cenas de natureza artísticas e de inclusão social, organizadas, respectivamente, por “Nana” e “U.V.”, o primeiro uma espécie de técnico em eletrônica que utiliza de seus conhecimentos para facilitar a organização de projeções de filmes na sua comunidade, o Pelourinho; enquanto que o segundo é um sociólogo que claro estudou e se formou em Sociologia, mas que por opção jamais sai da Achada Grande, onde ocupou um espaço ocioso institucional, transformando-o em uma Biblioteca e espaço de ação cultural comunitária.
A conversa continuou, mas parei para o almoço, portanto, além de matar a saudade dos saberes que construímos a partir das falas dos amigos, também matei a saudade do sabor, degustando um chicharro, peixe saborosíssimo das águas rasas do Atlântico, num restaurante que pouco frequentava quando aqui habitava ("Panorama"), cujo nome faz referência às belas vistas que se tem lá do terraço quando se almoça. Para além do peixe, vegetais. E arroz e feijão. Nesse caso, uni o útil ao agradável porque, considerando que me imponho determinadas restrições alimentares e só como a carne do peixe, jamais de outros animais, acabei por me fartar de comer, coisa que confesso estava há algum tempo sem fazê-lo à base do pão e da água nos últimos três, quatro dias, por conta da carga de trabalho – direto, que também quase me retirou o direito de dormir. Mas, felizmente, sou acostumado a dormir pouco e a ficar sem me alimentar. Sou preparado para a guerra, isso jamais me desestabiliza nem me deixa de mau humor.
Nesta rápida conversa com o fotógrafo César Schofieldi, avançamos no debate sobre a experiência do cinema na Nigéria, o maior centro produtor audiovisual do planeta, à frente até da índia, outrora o líder, e da batida Hollywood. São milhares de filmes produzidos anualmente, alguns dos quais em uma semana. César disse que na Nigéria as pessoas tem a cultura de ir ao mercado compra carne, peixe, fruta, batata e filmes. E isso sem dúvida dinamizou e potencializou o mercado local, porque, ao contrário de ver novelas, os cidadãos querem ver as histórias próprias, e assim construir a sua própria cultura audiovisual e cinematográfica, a partir de filmes de baixo orçamento e de qualidade supostamente duvidosa, embora este debate sobre a “qualidade”  destas produções  deva ser mais aprofundado, sob pena de cairmos no lugar comum dos padrões que nos são impostos pelas indústrias culturais audiovisuais.

©Carpinteiro

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